Título: As conveniências do poder
Autor: Paganni, Arthur; Abreu, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 04/04/2011, Política, p. 3

Na oposição, PT contestava convênios e a liberação de servidores públicos para organizações sociais. Agora, defende a regra

A controvérsia em torno da cessão de servidores públicos para organizações sociais é o retrato mais recente das conveniências que atingem a política. Quando era oposição, o PT foi autor de uma ação direta de inconstitucionalidade protocolada no Supremo Tribunal Federal (STF) em 1998, com o PDT, contra a lei que trata das chamadas organizações sociais (OS). Poucos anos depois, porém, quando chegou ao poder, o mesmo PT aproveitou-se da lei, durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para ceder, com ônus para o Estado, pelo menos 31 servidores da administração pública direta para diferentes entidades. Campeão de liberações, o Ministério de Ciência e Tecnologia baseou-se na Lei 9.637/98 ao emprestar 24 servidores a quatro diferentes entidades, entre 2002 e 2010.

Além de permitir a cessão de servidores, a lei prevê o repasse de bens e de recursos federais para organizações sociais contratadas pelo Estado. O plenário do STF iniciou o julgamento da ação na última quinta-feira. Na ocasião, nenhum representante do PT fez a costumeira sustentação oral para defender o pedido de Adin. A explicação é simples: depois que virou governo, o partido perdeu o interesse no processo, mas, como o ordenamento jurídico brasileiro não permite a desistência desse tipo de ação, ela é apreciada à revelia da legenda, mesmo desinteressada no julgamento.

Os partidos contestam não só a lei que dispõe sobre a qualificação de entidades como organizações sociais, mas também a norma que dispensa de licitação a celebração de contratos. ¿O modelo é ruim para o país, pois burla o concurso público e não utiliza a licitação¿, reclamou o advogado do Sindicato dos Trabalhadores da Saúde Pública do Estado do Paraná, Ari Marcelo Sólon.

Para o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, a proposta de convênios com organizações socais era ¿interessante¿ à época em que foi criada, mas, segundo ele, ¿foi desvirtuada para atender a interesses políticos não só na União, como nos estados¿. ¿Parece haver inconstitucionalidade na lei. A sessão de servidores para organizações, com ônus para o Estado, não encontra parâmetros no estatuto do servidor¿, afirmou Ophir.

Brechas A temática da desestatização é tratada pelo Poder Executivo sob o ponto de vista da eficiência na prestação de serviços à população. O argumento é de que o poder público não tem capacidade de atender às necessidades do cidadão e, assim, justifica-se a repartição de responsabilidades com entes privados, a fim de dar solução ao descompasso existente entre o que o Estado oferece e o que a população de fato necessita.

Os críticos da lei alegam que ela abre diversas brechas para o mau uso do dinheiro público e para o direcionamento nas contratações do governo federal. Para ser qualificada como organização social, a empresa depende apenas da anuência do gestor público da área de atuação da entidade. Além disso, a execução do contrato de gestão é fiscalizada somente pelo órgão ou entidade supervisora da área de atuação, e não pelos tribunais de contas e pelo Ministério Público, que têm o papel constitucional de zelar pelos serviços de relevância pública.

Uma eventual declaração da inconstitucionalidade das normas que tratam das organizações sociais colocará fim aos contratos firmados para a prestação de serviços públicos pelo governo federal e por pelo menos 14 estados. O advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, ponderou que as entidades só podem pleitear o contrato se forem previamente credenciadas pelo próprio governo. ¿São experiências muito positivas de parceria, o que não afastou o estado de seus deveres¿, disse Adams durante julgamento da ação na última quinta-feira.

A vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, criticou a modalidade de contratos usada pelo governo para terceirizar serviços. Único a votar, o ministro Ayres Britto ressaltou a necessidade de licitações para a celebração dos contratos. Segundo a votar, Luiz Fux pediu vista e interrompeu o julgamento. Procurado pela reportagem na última quarta-feira, o Ministério da Ciência e Tecnologia não se pronunciou sobre as liberações de servidores.

O que diz a lei A Lei 9.637/98 determina que pessoas jurídicas de direito privado poderão ser qualificadas como organizações sociais para a prestação de serviços públicos nas áreas de ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente, cultura e saúde. Para habilitar-se, o ministro ou titular do órgão da área de atuação deve aprovar a conveniência e oportunidade de qualificação da empresa como organização social.

Cedidos Confira a quantidade de servidores cedidos por órgão durante o governo Lula para organizações sociais:

Órgão - Número de servidores cedidos Ministério de Ciência e Tecnologia - 24 Ministério da Educação - 4 Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão - 2 Casa Civil - 1