Título: Inflação leva Copom a manter Selic
Autor: Alessandra Bellotto
Fonte: Gazeta Mercantil, 19/08/2004, Finanças & Mercado, p. B-1

Juro real sobe com a decisão, já que a projeção para o IPCA nos 12 meses à frente recuou. O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central manteve, pela quarta vez consecutiva, os juros básicos da economia em 16% ao ano, sancionando a aposta majoritária do mercado. Mais uma vez, o argumento usado pelo BC foi a preocupação com o cenário inflacionário. Com a Selic estável, o juro real sobe de 9,16% em julho para 9,25%. Isso porque a projeção para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) - inflação oficial do regime de metas - nos próximos 12 meses recuou de 6,27% para 6,18%, conforme a última pesquisa semanal realizada pela autoridade monetária.

Em comunicado divulgado logo após a reunião, o BC informa que, "tendo em vista as perspectivas para a trajetória da inflação, o Copom decidiu, por unanimidade, manter a taxa Selic em 16% ao ano, sem viés". A taxa vale até a próxima reunião, dias 14 e 15 de setembro. Neste ano, a Selic foi reduzida apenas duas vezes: em março, de 16,5% para 16,25% e, em abril, para 16%.

Para o economista-chefe da GAP Asset Management, Alexandre Maia, o BC continua apostando que a manutenção do juro é suficiente para induzir à convergência das expectativas de inflação para a meta. "Mas, se o BC perceber que o desvio da meta de inflação é mais permanente, poderá elevar o juro. O risco agora é de alta e não de baixa", disse.

Alexandre Póvoa, sócio-diretor da Modal Asset Management, destacou que o "statement" (comunicado) divulgado pelo Copom após a reunião de ontem sofreu uma leva mudança em relação ao anterior. Desta vez, o BC deixou de mencionar os anos 2004 e 2005, o que - segundo Póvoa - significa que está olhando agora para a meta de inflação para 2005, fixada em 4,5%. Há cerca de dois meses, a expectativa tem se mantido em 5,5%.

O diretor da Modal afirmou que o BC deve manter e até acentuar, no documento a ser divulgado na próxima quinta-feira (26), o tom "forte" do discurso da ata da reunião de julho. "Dada a euforia dos mercados nos últimos dias, o BC deve reforçar a questão da cautela, a fim de tentar ajustar as expectativas de inflação e não deixar a curva de juros fechar", argumentou. Para Póvoa, a Selic deve ser mantida em 16% até o final do ano. Apenas o reforço do discurso pelo BC, com a ameaça de que poderá agir se for necessário, deverá ser suficiente para evitar a "exuberância irracional" do mercado.

Para Sandra Utsumi, economista-chefe do BES Investimento, com a decisão amplamente antecipada pelos agentes, a expectativa se desloca para a ata. "O cenário se manteve desde a última reunião. A questão é o se BC está enxergando algum risco adicional", disse Sandra. A economista acrescentou que, com a persistência de pressões inflacionárias, a percepção é se o arsenal de argumentos favoráveis à manutenção da Selic esgotou-se.

Ela também trabalha com o juro estável até o final do ano, mas não descarta um aumento, caso a meta de 2005 fique comprometida. Hoje, segundo a economista, há alguns atenuantes: o câmbio apreciado tem amortecido parte da alta de inflação, assim como a queda das commodities no mercado internacional tem reduzido os IPAs agrícolas e contido as altas dos preços industriais no atacado.

Para Póvoa, o perigo em torno da inflação é a propagação secundária de um choque de oferta causado pelo petróleo, com o repasse do aumento dos combustíveis em um momento em que a economia cresce acima do esperado. "E o processo de elevação de juro como resposta ao crescimento é mais do que natural e não deve se encarado como um drama", disse.

Para o setor industrial, mais uma vez o BC errou a mão. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) considera que a decisão não se justifica. "O crescimento atual da economia ocorre de forma saudável e não representa ameaça à estabilidade e nem caracteriza explosão de demanda que exija ser contida", afirma o presidente Armando Monteiro Neto. Em nota, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) destaca que, pior do que manter, é a ameaça de elevar o juro que os dirigentes do BC vêm adicionando à decisão. "As taxas de juros longas aumentam imediatamente as ameaças deste tipo, e todos sabemos que são elas as mais relevantes para a atividade econômica. Quem sofre em primeiro lugar é o combalido mercado interno, que começa a dar sinais de vida. Não devemos retardar a sua recuperação", afirmou o presidente Horácio Piva.