Título: BR Ferrovias só recebe ajuda se entrar nos trilhos
Autor: Janaína Leite
Fonte: Gazeta Mercantil, 21/10/2004, Primeira página, p. A-1

"Não dá para despejar recursos públicos em uma empresa, por mais promissora que seja, e a Brasil Ferrovias o é, sem a certeza de que o dinheiro será administrado com toda a seriedade do mundo", disse ontem uma fonte do BNDES envolvida no acordo. "Isso é consenso no governo. Ninguém quer anunciar uma solução capenga, que no futuro é dor-de-cabeça certa", acrescentou.

Na Previ, detentora de 26,65% da Brasil Ferrovias, a ordem é silêncio quanto ao assunto. Isso porque, a princípio, quem tomou a frente das negociações foi a Funcef, fundo de pensão da Caixa Econômica Federal, que detém 22,31% da ferrovia. Depois de um envolvimento tímido nas negociações, os previdenciários do Banco do Brasil acharam por bem se movimentar - mas com cuidado, para não melindrar os colegas da Caixa. Nos bastidores, porém, é clara a irritação da Previ com as sucessivas declarações de que o dinheiro do socorro governamental encontra-se na boca do caixa.

Além disso, a Previ e o BNDES consideram que seria um bom momento para promover uma dança de cadeiras na cúpula da Brasil Ferrovias. O atual presidente-executivo da empresa, Elias Nigri, assumiu o cargo no ano passado. O principal motivo para a indicação, segundo fontes da área, foi a fama de bom relacionamento dele com o BNDES, além de um currículo invejável. Nigri passou pela Ferrovia Centro Atlântica (FCA) e pela Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) - a última experiência é vista com reservas por alguns sócios, pois Vale e a Brasil Ferrovias, concorrentes em potencial, nem sempre comungam do mesmo interesse. A seu favor, porém, Nigri conta com as bençãos da Funcef e a costura do acordo que deve oxigenar as finanças da empresa que comanda.

No Planalto, seis pares de olhos acompanham de perto a movimentação nas ferrovias. O primeiro é do presidente Luís Inácio Lula da Silva. Preocupado com as condições da infra-estrutura, ele ordenou que a recuperação da malha ferroviária do Brasil seja considerada prioridade. Os ministros da Comunicação de Governo e Gestão Estratégica, Luiz Gushiken, e da Casa Civil, José Dirceu, também sabem os frutos que um investimento bem-feito no setor pode render, econômica e politicamente. Por isso, o mais provável é que a presidência da Brasil Ferrovias seja entregue a alguém de confiança do governo.

"O tipo de exportação que o Brasil faz hoje transformou o negócio de ferrovias. A fronteira agrícola foi deslocada dos estados de São Paulo e Paraná para o Mato Grosso, o que mudou o valor de escala das concessionárias. Nunca elas deram tanto dinheiro como agora e o governo sabe disso. Tanto que se está tratando o assunto com a maior diligência", afirmou ontem o secretário do Tesouro Nacional, Joaquim Levy.

"Livro Branco"

O entusiasmo do secretário é tanto, que ele adiantou: sua equipe está interessada em criar um Livro Branco das Ferrovias. Levy considera que várias iniciativas são possíveis para tornar o sistema ferroviário mais eficiente. "Não se trata só de dinheiro, mas de boa administração. Dá para fazer muita coisa só com a reorganização das prioridades administrativas dessas empresas", avaliou ele.

A Brasil Ferrovias começou em 1989, quando o empresário Olacyr de Moraes, então conhecido como "rei da soja", ganhou uma concessão do governo Sarney. Com a derrocada do investidor, a saída encontrada para reanimar a empresa no da década de 90 foi a entrada dos fundos de pensão e do fundo de investimentos norte-americano Laif, que possui 15,36% da Brasil Ferrovias. Hoje, além da Previ, Funcef e Laif, têm quinhão no bolo acionário JP Morgan (10,36%) e Bradesco (3,72%). Cansados dos desencontros, aliás, os sócios privados dos fundos decidiram sair da empresa, aproveitando a negociação do BNDES.

Ao todo, a Brasil Ferrovias coordena três concessionárias: Novoeste, Ferronorte e Ferroban. Corta os estados do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e São Paulo, figurando como a principal via de escoamento da soja produzida no Centro-Oeste. Das 60 milhões de toneladas que o País deve exportar este ano, cerca de 40% passarão pelos trilhos da Brasil Ferrovias.

Segundo o plano de reestruturação apresentado pela empresa ao BNDES, a malha será dividida em dois tipos: bitola larga para o trecho Ferronorte e parte da Ferroban, bitola métrica para o pedaço restante da Ferroban e a Novoeste.

Cerzida toda a teia do acordo com o BNDES, vem aí outros pactos aos quais o governo terá de ficar atento. Várias empreiteiras já estão de olho nas obras que a Brasil Ferrovias tocará. Aí o tom da conversa combinará mais com o filósofo Friedrich Nietzsche: "A maestria é alcançada quando, na realização, não se erra e nem se hesita"