Título: Hora oportuna para a integração regional
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Fonte: Gazeta Mercantil, 21/10/2004, Opinião, p. A-3

Na segunda-feira passada, com seu registro na Associação Latino Americana de Integração (Aladi), em Montevidéu, foi finalmente oficializado o acordo de livre comércio entre o Mercosul e a Comunidade Andina de Nações (CAN), numa iniciativa que se constitui como base para a criação de uma Comunidade Sul-Americana de Nações, integrada por dez países da América do Sul. Com o acordo, quase toda a América do Sul - com exceção da Guiana Francesa, Suriname e Guiana -, torna-se uma imensa área de livre circulação de mercadorias, que integra um mercado de 361 milhões de consumidores, com um PIB conjunto de US$ 970 bilhões.

Após 44 anos da primeira carta de intenções, o acordo concluiu-se com dois meses de atraso em relação à data estabelecida no ano passado, em razão das dificuldades nas negociações referentes ao grande número de exceções na lista de oportunidades abertas de liberalização do comércio regional.

A despeito das dificuldades, que suscitaram manifestações de desconforto por parte da Coalizão Empresarial no Brasil, tanto o Itamaraty como o presidente da comissão de representantes do Mercosul, o ex-presidente argentino Eduardo Duhalde, consideram que a realização do acordo foi um passo importante para a integração dos países do continente. Pelos seus termos, as tarifas incidentes sobre os produtos serão praticamente eliminadas no prazo de doze anos, período no qual o incremento previsto nas trocas comerciais deverá estar associado a investimentos na integração física da região, calculados em US$ 100 bilhões.

Para o Brasil, a união Mercosul-CAN - alçada pelo atual governo ao topo das prioridades como pré-requisito estratégico para a negociação da Alca - é mais uma vitória da política externa. Ao se constituir como fulcro da agenda político-comercial externa comum da América do Sul, a união dos blocos sub-regionais - além de representar desdobramentos imediatos, como o incremento comercial e a aceleração na integração da infra-estrutura -, reveste-se de forte conotação simbólica. É neste momento, mais que em qualquer outro de sua história, que o Brasil afirma a sua dupla identidade - de país em desenvolvimento e de país sul-americano.

Ambos os papéis, ao se exponenciar mutuamente nas dimensões histórica e atual, condicionam as opções estratégicas do Brasil perante os países vizinhos e perante o mundo. São papéis, na realidade, interdependentes como objetos e como sujeitos de um destino, comum aos demais países do bloco. Reconhecê-los é cuidar da afirmação substantiva do interesse nacional. Essa afirmação manifesta-se em ambas as identidades, tanto na eleição da integração regional como estratégia de inserção nacional na economia global quanto na busca de complementaridades junto aos vizinhos como meio de enfrentamento dos desafios do desenvolvimento. Assim, país em desenvolvimento, país sul-americano, integração regional e inserção competitiva na economia global formam um único corpo orgânico de postulados a informar uma visão de mundo orientada pelo princípio da autodeterminação e pelo respeito à diversidade. É dizer que a globalização econômica oferece oportunidades e riscos a todos, mas a cada um diferentemente.

Observe-se que a afirmação do regionalismo brasileiro e sul-americano, que o novo bloco atualiza, insere-se na mesma corrente de idéias, interesses e poder que marcou o êxito recente de empreitadas semelhantes; e expressa a mesma visão universalista que caracterizou, por exemplo, a experiência da integração dos países da Europa Ocidental na União Européia. Lá como cá, a construção do bloco ocorre sob a égide de duas diretrizes - a da integração econômica regional como condição de fortalecimento da economia nacional e via de inserção competitiva na economia global; e a da institucionalidade democrática como pré-requisito de admissão.

Com a sua adesão à Comunidade Sul-Americana de Nações, o Brasil consolida as opções estratégicas de sua política externa em várias frentes ao mesmo tempo. Reitera a denúncia à falácia da globalização necessariamente benéfica e repõe na ordem do dia o conceito de globalização assimétrica; reforça a opção por um caminho integracionista autônomo, sem prescindir de seu papel de coadjuvante na construção de outros acordos de interesse comum, como a Alca; e repõe o interesse da economia nacional como condicionante de sua participação na interdependência global.

A defesa da integração regional é mais que oportuna num momento em que o multilateralismo parece bater em retirada nos foros internacionais, por intransigência dos países ricos.

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kicker: O acordo de livre comércio entre Mercosul e Comunidade Andina de Nações dá-se num momento de debilidade do multilateralismo