Título: Apostar no crescimento, apesar do Copom
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Fonte: Gazeta Mercantil, 22/10/2004, Opinião, p. A-3
Num país vice-campeão mundial de juros reais, com uma taxa de 9,97%, que se aproxima perigosamente da barreira emblemática de dois dígitos, um aumento de 0,5 ponto porcentual na taxa básica Selic, como o decidido nesta quarta-feira pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC), não é muito animador para a economia, embora também não possa ser considerado uma tragédia anunciada.
Por mais nobres que tenham sido os motivos alegados ¿ ou seja, o prosseguimento do processo de ajuste moderado iniciado em setembro para dar continuidade, "de forma saudável e balanceada, ao processo de retomada da atividade iniciado em 2003", como diz a ata da reunião de setembro ¿, nem sempre as boas intenções resultam em bons resultados. Afinal, um aforismo conhecido, que revela a sabedoria popular, diz que de boas intenções o inferno está cheio.
Para ficar nos ditos populares, poderia ser argumentado que há males que vêm para bem. Em setembro, o Copom justificou que esse ajuste moderado tem o objetivo de promover "a convergência da inflação para a trajetória de metas" (já aceita a variação de 5,1% no IPCA em 2005) e evitar que "medidas mais drásticas venham a ser necessárias no futuro para desinflacionar a economia". Portanto, o objetivo é enquadrar, a qualquer custo, a inflação deste e do próximo ano às metas comprometidas com o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Entretanto, o uso do instrumento dos juros na política monetária só é eficaz em casos de inflação de demanda, o que não é o caso atual. Além disso, a alta dos juros não interfere no principal fator inflacionário dos últimos meses, que é o reajuste dos preços administrados ¿ uma herança nefasta do governo Fernando Henrique Cardoso, que permitiu às empresas de serviços públicos privatizadas o repasse da inflação passada aos preços. É o fantasma da indexação assombrando de novo a economia.
Enquanto isso, a população, em geral, e os empresários, em particular, sentem no bolso as conseqüências do "ajuste moderado" da Selic. Haverá aumento de cerca de 1 ponto porcentual na ponta dos juros, elevando as taxas para insuportáveis 143,28% ao ano no crédito para pessoas físicas, para 68,04% no crédito para empresas, para 215,22% no cartão de crédito e para 100,31% nos empréstimos pessoais, segundo a Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac).
Caso seja mantido por um ano, esse "ajuste moderado" pode causar um aumento de mais de R$ 2 bilhões na dívida interna. Isso porque 53% do endividamento do governo, ou seja, R$ 408,8 bilhões, estão atrelados à Selic.
Com isso, vai para o ralo parte do aumento da arrecadação federal conseguido com o sacrifício geral da nação, submetida a uma carga tributária de cerca de 38% do Produto Interno Bruto (PIB), uma das maiores do mundo.A decisão do Copom também reduzirá o impacto positivo da obtenção de superávits primários para diminuição da dívida pública. E coloca em xeque o argumento do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, de que a elevação do superávit primário neste ano, de 4,25% para 4,5%, evitaria a necessidade de aumento da Selic. Como os fatos demonstram, há um pezão frio de conservadorismo e de submissão aos interesses do sistema financeiro nacional e internacional fincado no Ministério da Fazenda e, por extensão, no BC, que procura segurar o incipiente crescimento da economia brasileira para atender às exigências do FMI.
Isso fica evidente quando se sabe que um dos dados que influenciam a decisão do Copom é a pesquisa sobre expectativa de inflação feita mediante consulta a analistas de instituições financeiras. E o resultado da pesquisa, divulgado no início da semana, antes da reunião do Copom, é de que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deverá ser de 7,16% ao ano em 2004 e de 5,81% em 2005, acima da meta estipulada de 4,5%.
O que surpreende, nessa pesquisa, é que ela seja feita com fontes do sistema financeiro, responsável por spreads que transformam, misteriosamente, juros reais de 9,97% em 215,22% ao ano no cartão de crédito, para ficar no exemplo mais gritante. Além disso, o deputado federal e ex-ministro da Fazenda Delfim Netto denunciou em artigo nesta semana "os dramáticos erros" cometidos pelo BC e por esses analistas nas estimativas de inflação de setembro, e cobrou mudanças nos mecanismos de coleta das "expectativas" que influem na definição da Selic.
Apesar dos efeitos deletérios desse "ajuste moderado", cabe ao setor produtivo procurar seguir, na medida do possível, a recomendação do ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan ¿ "Esqueçam o Copom" ¿ e continuar apostando no crescimento.
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kicker: Mantido por um ano, esse "ajuste moderado" da Selic pode causar um aumento de mais de R$ 2 bilhões na dívida pública interna