Título: Ações contra o desemprego
Autor: Luiz Guilherme Brom
Fonte: Gazeta Mercantil, 22/10/2004, Opinião, p. A-3

Crescimento do PIB, aumento das exportações e recuo do desemprego: os indicadores brasileiros apresentaram bons números em 2004, ainda que relativos a cenários anteriores de forte retração econômica. No que tange ao desemprego, todavia, uma recomposição minimamente aceitável do mercado de trabalho exige ainda o enfrentamento de complicadas questões.

Dentre elas, a recente e preocupante tendência de desconexão entre crescimento econômico e oferta de empregos. A criação de postos de trabalho historicamente associa-se a momentos de expansão econômica.

Com a reestruturação produtiva global do último quartil do século XX, todavia, a indústria perdeu capacidade empregadora, sem que outro segmento econômico - como se chegou a imaginar para o setor de serviços - viesse a substituí-la na função de grande absorvedora de mão-de-obra. A Organização Mundial do Trabalho (OIT) alerta para o fato de que em 2003 o desemprego bateu recorde histórico no planeta, apesar da progressão do Produto Interno Bruto (PIB) mundial na ordem de 3,2%. Ao contrário do passado, agora parece possível crescer sem contratar, ou contratando pouco, fenômeno que pode ser constatado nas mais significativas economias do planeta.

As mudanças são evidentes no mundo do trabalho: a antes elevada correlação positiva entre crescimento econômico e oferta de trabalho perde força, o modus operandi das atuais empresas é menos dependente de trabalhadores e o desemprego de modo geral deixa de ser uma anomalia circunstancial. Persistente há pelo menos duas décadas, adquire um caráter estrutural, tornando inúteis as recorrentes explicações conjunturais.

Para além do aspecto quantitativo, contudo, o desemprego apresenta ainda enorme desafio de ordem qualitativa. As estatísticas brasileiras confirmam a percepção geral: a oferta de empregos no País expande-se com vigor apenas na faixa de salários mais baixos (até dois salários mínimos).

Fato que remete a outra delicada questão: se o Brasil cria empregos braçais, de baixo agregado intelectual, estará então mais uma vez reforçando seu histórico papel de fornecedor de commodities e de trabalho barato?

A baixa qualidade dos postos de trabalho gerados reflete-se também na renda média do trabalhador, que despencou rapidamente nos últimos anos. Eis o nó da situação adversa em que se meteu o País: no campo do trabalho, o resgate da dignidade impõe eqüidade na distribuição de renda, de oportunidades e de acessos. É pouco provável que o crescimento econômico, por si, ofereça uma restauração significativa do mercado de trabalho.

Se a indústria que sobreviveu à competição acirrada é enxuta e automatizada, a geração de novos espaços no mercado de trabalho requer então a construção de alternativas ao modelo esgotado, em escala condizente com a dimensão do problema. Não há respostas prontas, mas existem interessantes esforços. A Corporação Cooperativa de Mondragón, com suas 120 empresas e 40 mil postos de trabalho, primeiro conglomerado do País Basco e sétimo maior da Espanha, é exemplo de empreendimento alternativo de sucesso. Encubadoras de empresas, arranjos produtivos locais, microempreendedorismo, cooperativas de trabalhadores e de crédito: a recomposição do mercado de trabalho certamente exigirá não apenas uma, mas todo um conjunto de iniciativas. O esforço contra o desemprego impõe novas perspectivas: ao lado das políticas nacionais - palco de tantos equívocos e desencontros -, a articulação de ações locais abre uma nova e ampla gama de possibilidades.

Ações próximas ao sujeito desempregado que o façam compreender que a obtenção de renda é hoje muito mais dependente de sua capacidade de definição do próprio trabalho. O engajamento mais realista dos poderes públicos municipais - levando em conta as características da nova ordem produtiva - é o ponto de partida para um combate mais efetivo da desocupação profissional, que converge para o mesmo terreno da luta contra a miséria e a violência. Enquanto agente facilitador e promotor de oportunidades de trabalho, inúmeras são as possibilidades ao alcance da autoridade municipal.

Diagnóstico e prospecção de mercados, estatísticas socioeconômicas, caracterização do trabalhador, levantamento de potencialidades locais, possibilidades de intercâmbio comercial e orientação profissional são apenas alguns pontos que merecem tratamento num projeto municipal para a questão do trabalho. Projeto cuja condição de base é a vontade política e cujo desafio maior é reverter a crise do trabalho em oportunidade para a expansão de iniciativas inovadoras, abrindo chance ao potencial de pequenos empreendedores, de profissionais diversos e de milhares de jovens que anualmente buscam espaço nesse mercado.

kicker: Recomposição do mercado de trabalho exige enfrentar questões complicadas