Título: Genoma Café busca sabor e qualidade
Autor: Agnaldo Brito
Fonte: Gazeta Mercantil, 19/08/2004, Agribusiness, p. B-12

- Os pesquisadores brasileiros envolvidos com café terão a reserva de dois anos para descobrir funções genômicas a partir do banco de dados que acaba de ser finalizado pela rede de seqüenciamento financiada pela Fapesp, Consórcio de Pesquisa Cafeeira do Brasil e pelo Centro Nacional de Recursos Genéticos (Cenargem), da Embrapa. Com a assinatura do contrato de cooperação técnica para gerenciamento da base de dados do Genoma Café começa a corrida para apresentação de projetos para pesquisa que tentarão identificar as funcionalidades de genes do banco de 30 mil seqüências extraídas de 25 bibliotecas genômicas diferentes. Cada biblioteca refere-se a um órgão ou tecido da planta.

A rede de laboratórios que fizeram o sequenciamento, lotados em São Paulo e Brasília (sede do Cenargem), identificou mais de 200 mil seqüências. O trabalho de bio-informática, realizado pelo de genética do Instituto de Biologia da Unicamp, identificou milhares de seqüências repetidas neste banco. A comparação com bancos internacionais, segundo passo, conseguiu demonstrar quais os genes já conhecidos e com função já descrita. Segundo Carlos Augusto Colombo, coordenador do Genoma Café em São Paulo, esta depuração pode trazer hipóteses sobre a função de determinada seqüência, o que permite avaliar a expressão destes genes em pesquisas de campo. Isso já está ocorrendo.

Colombo informa que parte dos 30 mil genes (cerca de 40%), durante a comparação com bancos internacionais, não foram identificados funções para estas seqüências. Isso significa que algumas seqüências genômicas podem ser inéditas, nunca foram encontradas em nenhuma espécie seqüenciada. De qualquer forma, a pesquisa do genoma funcional do café deverá começar por seqüências cujas pistas já existam, informa ele.

Tempo para pesquisa

A decisão de não publicar os 30 mil genes resultados do Genoma Café, embora garanta tempo para os pesquisadores brasileiros se debruçarem sobre o banco, torna o trabalho sem reconhecimento oficial junto à comunidade internacional. "Todos sabem que fizemos este trabalho, mas a prova é o depósito nos bancos de dados internacionais e isso ainda não foi feito", afirma. Isso levou os detentores deste banco a tomar alguns cuidados na manipulação deste banco genômico.

A assinatura do contrato de gestão do banco de dados determina regras de sigilo que o próprio pesquisador ainda tem dúvidas. Para monitorar o uso destas informações, o contrato assinado entre o Cenargem e Fapesp, prevê que durante dois anos qualquer publicação de pesquisadores que utilizem as informações do banco não deve ocorrer sem o aval do comitê diretor da base de dados.

O comitê tem cinco membros indicados pela Fapesp e o Cenargem. A novidade do tema ainda gera dúvidas nos próprios pesquisadores. O próprio coordenador do sequenciamento em São Paulo ainda tem dúvidas quanto às responsabilidades de uma eventual quebra do sigilo deste banco.

Valor econômico

O material nas mãos da pesquisa brasileira tem grande valor econômico. O futuro da economia cafeeira do Brasil, um negócio que movimenta por ano pelo menos US$ 3 bilhões - apenas com exportações e vendas ao mercado interno -, pode estar escondido neste banco de 30 mil seqüências.

"As plantas superiores que serão criadas pela pesquisa (do genoma funcional) poderão minimizar de forma substancial a utilização de químicos e aumentar de 15 para 30 anos a vida útil das lavouras. Será possível, também, dobrar a produtividade média das lavouras brasileiras, que registram hoje 15 sacas por hectare. Com isso o Brasil passaria a produzir 30 sacas por hectare, elevando a produção nacional de café para 60 milhões de sacas por ano", afirma Colombo.

O contrato que acaba de ser assinado - que entre outras coisas reserva os dois anos para pesquisadores brasileiros - prevê que os resultados financeiros de uma seqüência genômica inédita, que possa gerar uma propriedade intelectual passível de licenciamento, devem remunerar os organismos que financiaram a pesquisa. A distribuição de 6% dos recursos ocorrerá da seguinte forma: 2% para a Embrapa, 2% para o Cenargem e 2% para a Fapesp.

A corrida para a etapa da pesquisa do genoma funcional já começou, mesmo antes da assinatura do contrato. Pesquisadores envolvidos no seqüenciamento já trabalham em projetos que buscam identificar genes que expressam funções de relevância econômica. "A principal é a qualidade da bebida", afirma Carlos Colombo. O próprio Colombo, que coordenou o seqüenciamento em São Paulo, trabalha com uma pesquisa com um gene que pode estar relacionado à qualidade da bebida.

Origem do sabor

Paulo Mazzafera, pesquisador do Departamento de Fisiologia Vegetal do Instituto de Biologia da Unicamp - que recentemente em parceria com pesquisadores do Instituto Agronômico de Campinas (IAC) encontrou três variedades de café arábica descafeinado naturalmente - trabalha numa pesquisa para identificar os genes responsáveis pelo aumento da protease em pés de café.

O aumento da protease pode, na hipótese da pesquisa, estaria ligada a queda da qualidade da bebida. As proteases são enzimas que catalisam a hidrólise de ligações peptídicas, que fazem a junção de aminoácidos que formam uma proteína. A pesquisa busca identificar os genes que expressos ampliam a protease.

Segundo Colombo, do IAC, os pesquisadores paulistas tentam junto à Fapesp a criação de uma linha especial de pesquisa para a fase do genoma funcional. "Temos apenas dois anos para trabalhar sobre este banco criado pelo Genoma Café. Não podemos perder tempo", afirma Colombo. O Consórcio de Pesquisa Cafeeira do Brasil foi o primeiro a abrir um edital para financiar trabalhos neste campo. Alguns trabalhos já em andamento são financiados pelo Consórcio, mas uma nova rodada foi chamada recentemente.

A escolha dos projetos que serão financiados deve, de acordo com Carlos Augusto Colombo, ocorrer nos próximos meses. Para reforçar os investimentos, alerta o pesquisador, novos organismos devem aportar recursos para bancar pesquisas em café a partir de agora. Apenas isso pode maximizar descobertas nos dois anos reservados para da pesquisa brasileira.