Título: Muito acima de outros emergentes
Autor: Janaína Leite
Fonte: Gazeta Mercantil, 22/10/2004, Finanças & Mercados, p. B-1
Nas contas do consultor Alberto Matias, as taxas praticadas no Brasil são cinco vezes maiores. Quando o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) decide elevar os juros básicos, beneficia apenas o setor financeiro. A afirmação é do economista Alberto Borges Matias, da Universidade de São Paulo (USP). Em recente estudo, ele discorda de que a alta dos juros sirva ao controle da inflação, como sustenta o governo.
Nos cálculos do consultor, as taxas de juros do Brasil são, em média, cinco vezes maiores do que as praticadas nos países emergentes. A comparação fica ainda pior diante das nações desenvolvidas. Por aqui, se paga 13,8 vezes os juros praticados por lá. Mais: no caso específico do G-7 (que reúne os sete países mais ricos do mundo), os juros cobrados dos brasileiros estão 35,8 vezes acima da média.
"Temos a maior taxa real de juros do mundo, com o menor volume de crédito sobre o PIB", afirma Matias, dono da ABM Consulting. "Estamos diante de uma economia com fortes anomalias", completa. Apesar da forte expansão que se prevê para 2004 (de 20% a 25%), o volume do crédito não chega a 27% do PIB (como se vê no gráfico); em países europeus, essa relação ultrapassa 100%.
Para chegar a essas conclusões, Matias cruzou as informações. Descobriu que o movimento de aceleração dos juros é paralelo ao da inflação - e não contrário, como seria lógico supor. A correlação entre juros e taxa de câmbio também é mínima, no momento em que ambas as trajetórias são comparadas. O economista descobriu ainda que toda a vez que os juros são aumentados, cai a entrada de investimentos estrangeiros.
Quanto aos títulos públicos, Matias lembra que os grandes investidores institucionais são obrigados por lei a comprar papéis do governo. Isso significa que fundos de pensão ligados a estatais, fundos de investimento e seguradoras iriam adquirí-los mesmo que a remuneração fosse menor.
Bancos públicos
Além disso, mais da metade dos títulos públicos (51,1%) está na carteira dos bancos públicos. Outros 28% estão concentrados na tesouraria das grandes instituições privadas nacionais - Itaú, Bradesco e Unibanco. Na média, observou Matias, as instituições financeiras que atuam no País têm um excedente médio de 25% aplicado em papéis da dívida interna.
"O governo federal pagou cerca de US$ 40 bilhões de juros no ano passado. A manutenção da atual política monetária poderá conduzir o País a um caos inflacionário. A mudança consciente e planejada é urgente", alerta Alberto Matias.
De acordo com a pesquisa, o economista percebeu também que, apesar da pouca oferta de crédito - atividade que, em tese, deveria ser o carro-chefe dos lucros dos bancos -, as instituições financeiras aceleraram seus ganhos desde 1994, época da implementação do Plano Real: de 2002 a 2003, os ganhos das 15 maiores instituições cresceram em média 17,4%.
Ganho financeiro
Os números, para Matias, implicam maior risco para o setor bancário. As taxas em 2004 estão em patamar inferior ao de 2003. Ainda assim estão altas. Acostumado a isso, o sistema teria se tornado dependente da receita financeira para fazer frente à sua estrutura de despesas. Sem contar, diz ele, o desvirtuamento da atividade produtiva: com elevadas taxas de juros, os agentes econômicos, de todos os setores, são estimulados a procurar ganhos financeiros no lugar de ganhos operacionais.(