Título: A SORTE está lançada
Autor: Washington Olivetto
Fonte: Gazeta Mercantil, 22/10/2004, Fim de Semana, p. 1
Toda vez que um jovem estudante de Comunicação me pergunta o que é necessário para se dar bem na publicidade, eu respondo a mesma coisa: algum talento, muito trabalho e alguma sorte.
A história comprova que na atividade publicitária esse terceiro fator, que é totalmente imponderável, mostra-se tão importante quanto os dois primeiros, que são absolutamente controláveis. Talento se treina, trabalho se pratica, mas sorte você tem ou não tem.
Eu, por exemplo, tive a sorte de começar em publicidade nos anos 70 do século passado, época em que a publicidade brasileira já tinha sido profissionalizada pela geração anterior.
Gente como Alex Periscinoto, Mauro Salles e Luiz Salles, Geraldo Alonso, os três MPM e os três DPZ, só para citar alguns, haviam construído uma atividade séria e respeitável, pronta para dar o próximo passo: ganhar reconhecimento internacional.
Portanto, não foi tão difícil para um garoto relativamente talentoso e extremamente trabalhador como eu realizar seu sonho de construir uma carreira reconhecida nacional e internacionalmente.
Os anos 70 foram realmente fascinantes. Marcam os primeiros Leões de Ouro brasileiros no Festival de Cannes, que, naquela época, era seletivo, criterioso e documental. Marcam as primeiras aparições brasileiras nas premiações do Clio, antes disso um privilégio exclusivo dos anglo-saxões. E marcam algo bem mais importante que qualquer premiação: o aparecimento das primeiras campanhas que, além de cumprirem o seu papel básico e fundamental de alavancar vendas e construir marcas, conseguiram também se transformar em elementos da cultura popular brasileira.
São dos anos 70 os primeiros comerciais da Bom Bril, que implantaram a linguagem coloquial na publicidade brasileira. São daquela época bordões como o clássico "Nóis viému aqui pra bebê ou pra conversá?", da cerveja Antarctica, e são também dos anos 70 os primeiros anúncios de oportunidade, como o inesquecível "Cuide bem do seu pai: ele não tem cópia", da Xerox.
Foi também nos anos 70 que a minha geração profissional aprendeu a transformar um defeito em qualidade. Como as nossas condições de produção naquela época eram bastante frágeis, aprendemos a pensar simples.
Fazer simples é bem mais difícil. Mas o simples foi, é, e continuará sendo sempre o melhor em publicidade, porque só o simples leva a peças verdadeiramente originais e memoráveis. A simplicidade aprendida nos anos 70 conduziu também a publicidade brasileira ao seu período mais rico e inventivo: os anos 80.
Foi nos anos 80, que dividimos com americanos e ingleses a reputação de uma das três publicidades mais talentosas do mundo. Sem jamais precisar recorrer a expedientes desonestos e constrangedores, como anúncios fantasmas para ganhar prêmios, nem abrir mão da nossa brasilidade para sermos compreendidos. Pelo contrário: nossa publicidade daquela época era absolutamente internacional por ser totalmente local.
Os anos 80 marcaram também a estruturação formal do planejamento, com o surgimento da Talent, e a terceira revolução criativa, iniciada, em 1986, pela W/Brasil, então ainda W/GGK.
As duas revoluções anteriores aconteceram, respectivamente, na Almap, com a implantação do modelo das duplas de criação - inspirado na DDB -, e na DPZ, com a presença de três profissionais de criação na composição acionária da agência.
Mas no caso da terceira revolução, concretizada pela W/, pudemos ser ainda mais ambiciosos: somamos a experiência adquirida na DPZ com propostas descaradamente imitadas da Chiat/Day - a agência que acabara de chacoalhar a moderna publicidade norte-americana - e partimos para uma agência com um criativo na presidência, no caso, eu, outro numa das vice-presidências, Gabriel Zellmeister, e um profissional de marketing na outra vice-presidência, Javier Llussá.
Montamos uma estrutura radicalmente aberta, sem salas, eliminando a competição interna, com as equipes trabalhando integradas e o planejamento realizado em conjunto pela criação, pela mídia e pelo atendimento.
Assim tivemos resultados rápidos e expressivos. Conquistamos muitas contas (a maioria delas conosco até hoje), ganhamos todos os prêmios possíveis e imagináveis, viramos canção do Jorge Ben Jor e nos transformamos em modelo para as novas agências, que foram sendo fundadas, e para outras, que começaram a ser reestruturadas.
Nos anos 90, esse fenômeno cresceu e se multiplicou, produzindo algumas das maiores conquistas da publicidade brasileira em todos os tempos, mas gerando também boa parte dos problemas que a publicidade brasileira vive hoje.
A verdade é que, dos nossos seguidores, certamente só foram bem-sucedidos e fizeram bem para o mercado aqueles que compreenderam o nosso discurso ideológico e acrescentaram a ele elementos de seus próprios talentos e personalidades.
Outros que se espelharam no modelo W/ olhando única e exclusivamente nossas características mais visíveis - como a exuberância criativa e a visibilidade na mídia - não obtiveram o mesmo sucesso. Até porque, não levaram em consideração fatores-chave, como o planejamento e a administração.
Assim como existiram também os predadores, aqueles que ambicionavam o êxito da W/, mas fingiam desconhecer que, por trás dele, existe uma ideologia, segundo a qual atitudes como desrespeitar as regras e regulamentações estabelecidas pelo mercado, fazer qualquer tipo de concessão nos negócios para conquistar uma conta, participar de concorrências especulativas, ferir procedimentos éticos consagrados e buscar prêmios em festivais pela feitura de peças fantasmas são gestos inaceitáveis.
Não tenho dúvida de que a razão do êxito da W/ nestes 18 anos como empresa sólida, respeitável e desejável junto a anunciantes e profissionais do mundo inteiro se deve basicamente à nossa lealdade ao projeto original.
Assim, como desde o início nos propusemos a trabalhar única e exclusivamente para a iniciativa privada, abrindo mão da possibilidade de ganhar dinheiro com campanhas políticas e contas de governo, somos desde o começo também absolutamente fiéis às nossas três prioridades.
São elas:
Número três: ganhar dinheiro, já que somos uma entidade com fins lucrativos.
Número dois: fazer um trabalho exuberante, que gere resultados e garanta a satisfação dos nossos clientes.
Número um: construir uma biografia sólida e respeitável para a empresa e para as pessoas que trabalham nela.
Quando, eventualmente acontece algum fato que coloque em risco qualquer uma dessas três prioridades, nos recusamos terminantemente a alterar nossos princípios.
Devido a essa postura, já deixamos de conquistar, já perdemos e já abrimos mão de alguns clientes. Poucos, felizmente. Mas jamais abrimos mão das nossas convicções. Mesmo em momentos difíceis, como o que a publicidade brasileira atravessa hoje, com inúmeros problemas que, na maioria dos casos, foram provocados pelos próprios publicitários. Ou, mais especificamente, pelos predadores.
Hoje, do ponto de vista do negócio, agências vivem crises de remuneração, de rentabilidade, de identidade e de respeitabilidade por parte de muitos clientes. E travam verdadeiras batalhas com outras atividades, basicamente suplementares, mas evidentemente importantes, que buscam ocupar os espaços que sempre pertenceram às agências nas verbas dos anunciantes.
Já do ponto de vista da qualidade do produto final, as condições de produção nos últimos anos ganharam exuberância, o que é ótimo, mas isso fez com que muitos ingenuamente substituíssem o conteúdo pela forma, o que é péssimo.
Além disso, o deslumbramento com a globalização e o fascínio pelos festivais internacionais geraram um enxame de peças totalmente visuais, absolutamente pasteurizadas, filhas dos arquivos de imagem e Photoshops, com textos frágeis e fáceis de traduzir, mas incapazes de persuadir.
Resultado: boa parte da nossa publicidade deixou de ser brilhante e local para ser falsamente internacional, prestando um desserviço aos anunciantes e à cultura popular do País.
Esses são apenas alguns dos problemas de hoje e não posso deixar de reconhecer que, mesmo que involuntariamente, tanto eu quanto meus sócios também somos responsáveis por eles.
Estabelecemos nessa atividade a obsessão pelo sucesso econômico e pelo reconhecimento público, o que é saudável e construtivo, mas, devido à nossa nenhuma vocação política, não nos dedicamos a um trabalho de disciplinação do mercado, como o que foi feito pela geração anterior.
Acreditamos ingenuamente que apenas o nosso exemplo de trabalho e comportamento seria suficiente. Infelizmente foi só para poucos e, possivelmente, até para aqueles que nem precisavam desse exemplo para se comportar de maneira digna e coerente.
No início deste artigo, eu dizia que, para um profissional ser bem-sucedido na atividade publicitária, ele precisa de sorte. Mas, neste momento, chego à conclusão de que quem está precisando de sorte é a própria atividade. Sorte de perceber que precisa se reunir, se reavaliar, se rever, se reanalisar, se repensar. Sorte de aproveitar a oportunidade que ainda existe de dar alguns passos para a frente, mesmo dando vários passos para trás.
Se isso não acontecer, alguns poucos até poderão continuar sendo bem-sucedidos ou fingindo que são. Mas a maioria só terá do que se lamentar cada vez mais. E, no futuro, dificilmente surgirão novas agências exuberantes e bons profissionais, por mais talento e vontade de trabalhar que possuam.