Título: OAB critica argumentos do governo contra crédito de IPI
Autor: Daniel Pereira
Fonte: Gazeta Mercantil, 20/08/2004, Disputa Judicial, p. A-9

Corte adia decisão e advogada diz que valores da PGFN são um "chute". O Supremo Tribunal Federal (STF) adiou o julgamento de recurso do governo contra uma decisão de 2002 que garantiu às empresas o direito a crédito de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na compra de insumos no regime de alíquota zero. Uma nova data ainda não foi definida, mas a expectativa é de que o processo seja levado ao plenário em setembro, segundo a assessoria do STF. O caso é considerado prioridade máxima pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).

De acordo com o órgão, a Receita Federal analisa pedidos de compensação de créditos de contribuintes avaliados em R$ 12 bilhões. Outros R$ 18 bilhões são pleiteados em 1,3 mil ações em curso na Justiça, o que formaria um esqueleto de pelo menos R$ 30 bilhões. Se o Supremo ratificar a decisão, tal fatura terá de ser paga, e o direito ao crédito continuará em vigor, o que significa perda de arrecadação também daqui para frente, segundo a Fazenda Nacional.

"Essa sangria não continuará. Nós teremos de adotar as providências legislativas necessárias", disse o titular da PGFN, Manoel Felipe Rêgo Brandão, em entrevista a este jornal no início da semana. As declarações e o alegado rombo no erário provocaram reações dos contribuintes. Os presidentes da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Luiz Flávio Borges D¿Urso, e da Comissão Especial de Assuntos Tributários da entidade, Luiz Antonio Miretti, assinaram nota criticando a iniciativa do governo.

No texto, eles dizem que o STF reconheceu o direito ao crédito de IPI na compra de insumos não tributados e no regime de alíquota zero em cinco ocasiões e que os Tribunais Federais Regionais (TRFs) do País também já manifestaram o mesmo entendimento. "Confiando na independência da mais alta Corte do País, no incontestável saber jurídico de seus eminentíssimos integrantes e na preservação do princípio da segurança jurídica, a OAB-SP manifesta a sua crença neste sentido, bem como na validade da própria jurisprudência firmada pelo STF."

A advogada Maria Helena Tinoco Soares, do escritório Braga & Marafon, disse que os valores citados pela PGFN são um "chute". "Como aceitar que o valor em discussão judicial soma aproximadamente R$ 30 bilhões se a arrecadação total do IPI em 2003, conforme dados constantes do site do Ministério da Fazenda, soma aproximadamente R$ 20 bilhões." Segundo ela, o STF estará colocando em jogo a segurança jurídica caso reverta a decisão e aceite o argumento "arrecadatório" da Fazenda Nacional.

Já o advogado Vitor Dias Silva, da Coplan Consultoria e Assistência Tributária, rechaçou a alegação da PGFN de que, caso o STF mantenha o direito ao crédito de IPI, os contribuintes gozarão de um duplo benefício fiscal -além de não pagar imposto na compra de matéria-prima, ainda abatem dos valores de IPI devidos ao Fisco pela venda do produto industrializado aquilo que desembolsariam na etapa anterior da cadeia produtiva caso a alíquota não fosse zero. E afirmou que não existe na Constituição Federal proibição à compensação do IPI.

"Se não for possível ao industrial de produtos finais tributados creditar-se proporcionalmente do valor que paga de IPI na saída, enquanto seu insumo desonerado, então o insumo não é desonerado, mas tributado indiretamente. Seria preferível ao contribuinte comprar de um fornecedor também tributado", declarou Dias Silva. No recurso ao STF, a PGFN alega que a Constituição condiciona a "concessão de crédito presumido", como no caso, à aprovação de lei específica, o que não aconteceu.

O Judiciário é que tem assegurado o direito aos contribuintes, o que também afrontaria a Constituição, pois não pode desempenhar papel reservado a deputados e senadores. "Não há como julgador substituir o legislador na concessão do benefício. O que se pretende contém expressa vedação do texto constitucional", disse o ex-ministro Ilmar Galvão, autor do único voto favorável à Fazenda no primeiro julgamento.