Título: O Mercosul livrou-se de um mau acordo25 de Outubro de 2004 - O que de melhor conseguiu produzir a reunião ministerial entre representantes do Merc
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Fonte: Gazeta Mercantil, 25/10/2004, Opinião, p. A-3
O que de melhor conseguiu produzir a reunião ministerial entre representantes do Mercosul e da União Européia (UE), realizada na semana passada, no Palácio das Necessidades, em Lisboa, na qual se retomaram as negociações sobre um acordo de livre comércio entre os dois blocos, foi a decisão de reabri-las no primeiro trimestre de 2005, agora sem prazo para conclusão.
Aparentemente, havia interesse de ambas as partes de chegar a um acordo antes de 31 de outubro, quando expira o mandato dos membros atuais da Comissão Européia. Na realidade, porém, na avaliação dos negociadores, ante a precariedade das ofertas postas na mesa, tornou-se mais conveniente para todos retomá-las mais adiante, frente à possibilidade de melhorá-las em prazos mais dilatados. É verdade também que nenhum dos lados tinha motivo por que se apressar, desde que entraram em compasso de espera as negociações intervenientes da Associação de Livre Comércio das Américas (Alca) e que se tornaram mais difíceis os avanços de liberalização multilateral no âmbito da Rodada Doha, da Organização Mundial de Comércio (OMC).
Melhor assim, terá concluído a Confederação Nacional da Indústria (CNI), entidade máxima de representação do setor industrial brasileiro, que defendia junto ao governo e ao Itamaraty a conveniência de se postergar para o próximo ano a conclusão do acordo. "As incertezas sobre ganhos e a grande distância entre as partes negociadoras não recomendam a conclusão das negociações no fim de outubro", dizia a nota da entidade. No que parece ter sido ouvida, pois segundo declarou o ministro Celso Amorim, o presidente Lula, ao instar que as negociações prosseguissem, alertou para a importância de uma avaliação "cuidadosa" de possíveis concessões. O alerta presidencial sintoniza-se com os termos da nota da CNI, que apresenta sete razões para defender a sua posição e observa que os ganhos, nos termos propostos pelos europeus, "estariam circunscritos a produtos sujeitos a picos tarifários, como calçados, madeiras, têxteis, confecções, cutelaria e alumínio".
Oposta era a posição do agronegócio brasileiro, mais competitivo que a indústria em geral, motivo por que defendia a celebração imediata do acordo, ainda que em termos não plenamente satisfatórios. Colocado, porém, em Lisboa frente à possibilidade de um entendimento que limitaria o crescimento das vendas para o mercado europeu, o setor recuou de seu imediatismo, ao se dar conta de que não haverá prejuízo generalizado na ausência de acordo.
A proposta da UE representava uma limitação ao comércio agrícola do País com a Europa. O caso das exportações de carne brasileira para a região, que, sem acordo, cresceram 13% nos últimos cinco anos, atesta em favor da posição pró-adiamento do Brasil, assim expressa em manifestação da Coalizão Empresarial Brasileira: "É melhor prosseguir com as negociações do que fechar um mau acordo."
De modo que uma avaliação serena da reunião ministerial de Lisboa não conduz à conclusão de que o adiamento das negociações teria configurado um fiasco para a diplomacia brasileira, como se aventou. Com efeito, a oferta de liberalização do Mercosul chegou a cobrir 90% dos produtos, cedendo-se até o limite do possível. Ou como diz a nota do Itamaraty, a proposta continha concessões que "nunca foram feitas em outra negociação externa do bloco".
Ante a decisão comum de se retomar as negociações para a criação da maior área de livre comércio do mundo, com 650 milhões de habitantes, pode afirmar-se que o desfecho deste primeiro ciclo foi positivo para o Brasil e para o Mercosul. Nos termos utilizados por nossos negociadores e representantes de entidades empresariais, melhor a trégua, pois sobre a mesa estavam propostas desequilibradas, que representavam enormes concessões por parte do Mercosul em troca de acesso limitado ao mercado europeu. Destaca-se, da parte da UE, que na principal área de interesse dos países do Mercosul - o acesso ao mercado agrícola - a proposta chegava a retroceder em relação ao nível atual de exportações para aquele mercado, enquanto em outras áreas, nas quais é competitiva, como serviços, investimentos e compras governamentais, a UE abriria seu mercado somente para áreas de menor interesse por parte do Mercosul.
É de prever que os futuros embates serão igualmente difíceis, pois neles estarão imbricados interesses presentes nos demais processos negociadores nos quais se envolve o Mercosul - OMC e Alca. São desafios de política inéditos, que o Mercosul, a despeito de suas fragilidades internas, tem sabido enfrentar.
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kicker: Para o Mercosul, a proposta de prosseguir nas negociações com a União Européia pareceu melhor do que fechar um mau acordo