Título: Os motivos do embargo russo
Autor: Alfredo Felipe da Luz Sobrinho
Fonte: Gazeta Mercantil, 25/10/2004, Opinião, p. A-3

Vendas para a Rússia em 2003 superaram importações em US$ 900 milhões. Muito se tem comentado sobre o bloqueio russo à importação de carnes brasileiras, baseado na ocorrência de dois focos de febre aftosa nos estados do Amazonas e do Pará, região Norte do Brasil. Com a gradual redução do investimento em defesa sanitária por parte do governo federal, existe risco de outros focos, principalmente no Nordeste. A aftosa é uma doença de Terceiro Mundo. Nos Estados Unidos, por exemplo, foi erradicada em 1905. Mas o governo brasileiro trata a matéria com um descaso incompreensível. Apesar disso, teria a Rússia razões técnicas para embargar a compra de carnes brasileiras?

De fato a aftosa está mal controlada e os recursos para defesa sanitária animal são escassos. Os dois focos no Norte do Brasil, no entanto, não seriam suficientes para justificar o embargo, já que não há sequer um frigorífico da região habilitado a exportar.

O que levou a Rússia à decisão do embargo foi, na verdade, uma questão comercial. Não faz sentido o Brasil querer ter uma proporção exageradamente favorável nas relações bilaterais com aquele país. Em 2003, a corrente comercial com a Rússia movimentou cerca de US$ 2 bilhões, mas as exportações brasileiras superaram em US$ 900 milhões as importações de produtos russos.

Em anos recentes, o Brasil já havia criado problemas para a Rússia com importação de nitrato de amônia e trigo, embora isso não tenha levado a uma situação de impasse como a atual. Agora, a Rússia ingressou na concorrência aberta pela Força Aérea Brasileira (FAB) para a compra de 12 novas aeronaves supersônicas (caças), num valor total de US$ 700 milhões, já que os Mirages adquiridos na década de 70 estão sem condições operacionais de vôo.

Os concorrentes dos russos não propõem nenhuma forma de transferência de tecnologia ao Brasil. Os americanos, concorrendo com o caça F-16, e a anglo-sueca Gripen International, que disputa com o caça Gripen, não mencionam em suas propostas esse ponto, crucial para os interesses brasileiros. Os franceses, aliados da Embraer, por sua vez, apresentam o Mirage 2000, que é reconhecidamente um avião em fim de linha, baseado num projeto de 1970.

Quais as vantagens dos russos? Muitas. A Rússia propõe a transferência de tecnologia, pois, reconhecidamente, jamais haveria hipótese de conflito do Brasil com aquele país. Os dois aviões russos, o caça bombardeiro Sukhoi 37 e o caça MIG-29, são muito bem avaliados por especialistas do setor e reconhecidamente superiores aos concorrentes. A Venezuela, que tem se mostrado uma excelente e confiável parceira do Brasil, acaba de adquirir 55 caças MIG-29. E está disposta a realizar, no Brasil, a montagem e manutenção desses equipamentos. Assim, não podem os russos compreender por que, apesar de todas as vantagens oferecidas, não se pôs ainda um fim à novela do projeto de reequipamento da FAB.

As oportunidades comerciais com a Rússia são imensas, mas esse é um tema que só pode ser compreendido dentro de um contexto da mais absoluta reciprocidade. Por tudo isso, lamenta-se a incompetência e morosidade das autoridades brasileiras na gestão do assunto. Um amplo acordo com a Rússia seria vital para os interesses brasileiros. E ele poderá ocorrer, finalmente, no próximo mês de novembro, durante a visita do presidente russo Vladimir Putin ao Brasil. Esperamos que nosso governo aproveite a ocasião para defender o verdadeiro interesse nacional e a soberania que nos impõe a Constituição Federal.