Título: A maior luta de Marta é como vencer o preconceito
Autor: Luiz Orlando Carneiro e Paulo de Tarso Lyra
Fonte: Gazeta Mercantil, 25/10/2004, Política, p. A-7

A prefeita petista Marta Sulicy entra na última semana da campanha eleitoral com a certeza de que o preconceito está prestes a lhe derrotar, no domingo, e fazer com que sua cadeira seja ocupada pelo tucano José Serra. No sábado, emocionada, ela foi às lágrimas e reclamou do que considera perseguição de seus adversários e de grande parte da imprensa

Descontado o calor do embate na maior cidade brasileira, com mais de 10 milhões de pessoas, Marta toca num ponto que ninguém gosta de admitir, mas está presente no cotidiano e no imaginário do paulistano. Só o preconceito, este velho conhecido da população, é capaz de explicar como uma administração aprovada por quase metade da metrópole não consegue traduzir-se em votos.

De acordo com as últimas pesquisas, ela perde com uma margem de pelo menos 10 pontos percentuais, num universo de 7,8 milhões de eleitores. Serra insiste, é óbvio, que administração da cidade está em julgamento e suas idéias levaram a candidatura do PSDB a convencer o eleitorado da necessidade da mudança.

É legítimo, o ex-ministro da Saúde está no seu papel ao entrar na disputa, depois de ter perdido para Celso Pitta, em 1996. Serra bateu tanto na tecla de que sua adversária é despreparada para governar, que parece uma verdade inqüestionável, apesar de fatos relevantes ao dia-a-dia de quem vive em São Paulo dizer o contrário.

Estes mostram avanço considerável no transporte e na educação, setores que puxam os altos índices de ótimo e bom à forma como Marta nos últimos quatro anos. Qualquer pessoa que tenha ficado mais de um dia andando de ônibus na capital antes da administração petista, e tomar um coletivo agora estará mentindo, se disser que o sistema piorou. Sem falar no bilhete único, que o governo tucano do estado de São Paulo não quis integrar ao Metrô, o qual permite várias viagens no prazo de uma hora, por apenas R$ 1,70.

Outro motivo de orgulho de Marta, de Luiz Inácio Lula da Silva e da cúpula das Organizações das Nações Unidas (ONU) é a área da educação. Os 24 Centros de Educação Unificados (CEUs) além do currículo tradicional, tem salas de teatro e cinema da melhor qualidade, abertas às pessoas que moram na vizinhança. Milhares de almas que nunca tinham visto um filme ou uma peça, devem isso à obstinação da prefeita. Sem contar no quase milhão de crianças que tem material escolar, passagem e uniforme de graça.

Será então que a parcela a maior e mais pobre da população é ingrata, como diz o aposentado Lourival Lima, do bairro de Guaianazes, na Zona Leste. Na semana passada, do outro lado da cidade, no Morumbi, na Zona Sul, jovens de classe média conversavam numa academia de ginástica. A certa altura um deles afirma que Marta perderá a eleição porque é antipática e arrogante. O outro, diz que ela cairá, pois trocou de marido, deixando o senador Eduardo Suplicy, para casar-se com o argentino Luis Favre.

Nenhum instituto de pesquisa apontou até agora o motivo de tamanha rejeição à Marta. Mas é razoável uma reflexão sobre se a maioria não está definindo seu voto por preconceito contra a mulher arrojada, que toca sua vida pessoal com a livre escolha, o bem mais caro a todo ser vivente, em qualquer país dito moderno e democrático no Planeta.

O professor e cientista político David Fleicher, da Universidade de Brasília, tem um raciocínio que traz um bom parâmetro ao debate. Ele avalia que o xis da questão não está no que Marta realizou ou deixou de realizar. Segundo ele, o grande problema do relacionamento do paulistano com a prefeita é pessoal.