Título: Artesão faz a festa de Nazaré
Autor: Raimundo José Pinto
Fonte: Gazeta Mercantil, 25/10/2004, Empresas Pequens & Médias, p. A-15

Evento atrai fabricantes de brinquedos de todo Estado do Pará. A festividade do Círio de Nossa Senhora de Nazaré, que a cada ano atrai entre 1,8 milhão e 2 milhões de pessoas às ruas centrais de Belém, tem representado uma boa oportunidade de divulgação e de vendas para os artesãos paraenses. A quadra de festejos do Círio de Nazaré será encerrada hoje com o chamado Recírio, quando a imagem da santa - levada na grande procissão do segundo domingo de outubro para o santuário em frente à Basílica de Nazaré, onde permaneceu por 15 dias - retorna à capela do Colégio Gentil Bittencourt onde ficará até o próximo Círio.

O evento envolve uma série de tradições ao longo de seus 211 anos de existência. Uma das mais antigas, que se confunde com o próprio Círio, são os brinquedos de miriti, bucha retirada do caule da palmeira do miriti, também conhecida como buriti do brejo, que chega a medir até 50 metros de altura e é encontrada em grande quantidade nas várzeas existentes ao redor da capital paraense. Por sua leveza, esse material é conhecido como isopor natural da Amazônia.

Todos os anos os artesãos trazem do interior o resultado de sua criatividade, transformando o miriti nos mais diversos tipos de brinquedos, com destaque para as embarcações típicas da região. Desde antes do início dos festejos, pouco mais de cem famílias ocuparam os estandes montados na praça localizada às proximidades da Catedral, de onde sai a procissão com destino à Basílica de Nazaré.

Este ano eles trouxeram em torno de 15 mil peças. Seus preços variam bastante, de R$ 2 até mais de R$ 1 mil, no caso dos grandes barcos, nos quais os artesãos utilizam também outros tipos de materiais. Milhares de turistas visitam essa feira, que virou uma das principais atrações da festividade: não se pode ir embora de Belém sem levar um brinquedo de miriti.

Nos últimos anos, essa tradição vem sendo incentivada por órgãos como o Sebrae, que realiza cursos de gestão, de desenho e noções de administração. E ganhou mais destaque ainda depois que o governo do Pará implantou o Espaço São José Liberto, num antigo presídio próximo ao centro de Belém, que reúne a produção de jóias e artesanato do Pará. Mais organizados, os artesãos integram hoje organizações como a Associação dos Artesãos de Brinquedo e Artesanato de Miriti de Abaetetuba (ASANB), que reúne mais de 50 artesãos na região do Baixo Tocantins, a cerca de 50 quilômetros de Belém.

Eles sabem que da árvore do miriti se aproveita tudo. A fruta, o buriti, é muito utilizada no preparo de sucos, doces, sorvetes, licores, geléias e bolos. O tronco, de boa resistência, é empregado, entre outras coisas, nas estivas construídas sobre os alagadiços, as "ruas" dos ribeirinhos. Ainda tem o óleo que se extrai do miolo da palmeira para a preparação de alguns tipos de cosméticos e a raiz é aproveitada para a confecção de vasos, os xaxins.

Ao contrário de outras atividades que se utilizam de matéria-prima extraída da floresta, o uso do miriti para artesãos não é predatório. Após algum tempo da extração da matéria-prima, a árvore está pronta para fornecer novo material, mantendo seu porte.

Nascido em Abaetetuba, Osmarino Santos Chaves, 55 anos, é um dos principais artesãos de miriti da região. Mestre Buni, como é conhecido, trabalha desde criança com o miriti. Ele é um dos exemplos dos avanços registrados por essa atividade. Até pouco tempo, sua produção era basicamente para abastecer Belém na época do Círio de Nazaré. Agora, ele já vende suas peças para outros Estados, como São Paulo e Paraná. Algumas já estão sendo inclusive exportadas. Para isso, Mestre Buni procura diversificar sua criação, indo além dos brinquedos tradicionais e das imagens amazônicas.

Outro que segue o mesmo caminho é João Sales, de 53 anos. Ele utiliza o miriti para produzir quadros, embalagens, bandejas e imãs de geladeira. Ele mistura o miriti com outros produtos, como as fibras. Mas a palmeira vira também barcos, animais e flores, com toques coloridos.

O uso do miriti está avançando ainda mais. A Fundação Curro Velho, do governo do estado, está realizando, em parceria com a Universidade Federal do Pará (UFPa), a experiência de substituir o isopor pelo miriti na construção de protótipos.

As maquetes reproduzem projetos arquitetônicos do século XIX e início do século XX e integraram uma exposição realizada em maio e junho deste ano.

A proposta de utilização do miriti na confecção de objetos tridimensionais para a prática do aeromodelismo, passo inicial para uma série de outras alternativas que estão sendo desenvolvidas através dessa parceria, partiu de um funcionário da Fundação Curro Velho, Ricardo Andrade.

kicker: Peças do Mestre Buni já são comercializadas em São Paulo e no Paraná

kicker2: Universidade Federal do Pará e Fundação Curro Velho substituíram isopor por miriti