Título: Previsão de desaquecimento mundial moderado
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Fonte: Gazeta Mercantil, 26/10/2004, Opinião, p. A-3

elevação dos preços do petróleo, que não dão sinais de arrefecer, desloca-se para o centro das atenções neste início de semana, em razão de suas implicações para o desempenho econômico no Brasil e no mundo. Depois de ter atingido US$ 55 por barril, na sexta-feira, na Bolsa de Nova York, a sua cotação fechou praticamente estável, ontem, em US$ 54,54, reforçando expectativas de especialistas dos dois lados do Atlântico de que poderá chegar a US$ 60 nos próximos dias.

Já não há dúvida de que a alta dos preços do petróleo vai contribuir para desacelerar o crescimento da economia mundial. É o que admitiu o diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional, Rodrigo Rato, ao afirmar na sexta-feira que a alta da commodity neste ano deverá afetar negativamente o desempenho econômico em 2005.

Sinais de desaquecimento manifestam-se em quase todo o mundo. Nos Estados Unidos, há indícios de que as empresas adiam contratações e de que os consumidores passam a reduzir gastos. Nos países da Ásia, registra-se queda na demanda por exportações. Na Coréia do Sul, por exemplo, o crescimento das exportações de agosto foi o menor em nove meses. O crescimento da economia japonesa também dá sinais de arrefecimento, tendo recuado de 6,4% no primeiro trimestre para apenas 1,3% no segundo trimestre, embora não esteja claro se esse comportamento se deve aos preços do petróleo. Na Europa, registra-se o impacto em alguns setores, como o de companhias aéreas e de indústrias que utilizam matérias-primas de origem petroquímica. Quanto à China, o crescimento do PIB, ainda acima de 9%, recua muito lentamente, sem que se possa avaliar a sua correlação com o petróleo.

Indaga-se agora se as conseqüências do aumento serão comparáveis às que levaram à crise dos anos 70, que se caracterizou por combinar inflação em alta com estagnação. A resposta do presidente do Federal Reserve (Fed), Alan Greenspan, é negativa. Em discurso proferido na semana passada, Greenspan declarou que, apesar de "notável", o impacto será menor. A despeito da recente escalada, o preço médio do petróleo em termos reais encontra-se a dois quintos abaixo do pico do preço de fevereiro de 1981, observou o presidente do Fed, admitindo que, embora a evolução das cotações seja um dos principais fatores de risco, as conseqüências negativas somente se intensificarão se os preços subirem consideravelmente acima dos patamares atuais.

Os aumentos nos preços exercem o duplo efeito de comprimir as margens de lucros das empresas, debilitando a sua capacidade de investir, e de absorver parcela maior da renda dos consumidores. Reduz-se, em conseqüência, a expansão da demanda e a disposição dos empregadores de ampliar a contratação de mão-de-obra. O efeito depressivo assim produzido sobre a atividade não se distribui igualmente entre todos os países - ocorre transferência de renda dos grandes importadores, como Estados Unidos e China, para os grandes exportadores, como os países do Oriente Médio, Rússia e Venezuela.

Para as economias emergentes e para o Brasil, que se aproxima da auto-suficiência na exploração de petróleo e se prepara para se tornar exportador líquido em 2005, o impacto será moderado, segundo analistas. O crescimento do PIB brasileiro não seria afetado neste ano, e o seu desempenho em 2005 manteria estreita correlação com a evolução do PIB global, que deverá apresentar taxas positivas, embora menores do que as deste ano.

O efeito negativo da desaceleração econômica nos principais parceiros comerciais do Brasil - os países do G7 - se manifestaria na forma de demanda de volume menor de suas exportações de commodities, associado à queda de seus preços. Esse movimento é visível desde há algum tempo. Assim, por exemplo, o preço da soja já caiu 7,3% desde a reunião de setembro do Copom, tendo recuado 48% desde maio. E as commodities metálicas, depois de terem atingido cotações recordes, passam a registrar recordes de desvalorizações, com o níquel tendo despencado 20% nos últimos quinze dias; o cobre, 12%; o zinco, 13% e o alumínio, 5%. A despeito de um desempenho menos brilhante nas exportações, admite-se que o Brasil não terá dificuldades para fechar suas contas externas no próximo ano, prevendo-se apenas um saldo menor do que o deste ano na balança comercial.

Contrariamente às expectativas dos membros do Copom, pode prever-se o efeito positivo da desaceleração dos preços dos produtos importados sobre a trajetória da inflação, já perceptível na evolução dos preços industriais, que apresentaram deflação de 0,75% no IGP-10 de outubro.

kicker: A elevação dos preços do petróleo desacelera o crescimento mundial, mas sem provocar crise semelhante à dos anos 70