Título: As razões para as horas extras
Autor: Dagoberto Lima Godoy
Fonte: Gazeta Mercantil, 26/10/2004, Opinião, p. A-3

Frustrada, até agora, a expectativa da criação de empregos aos milhões, como prometeu o presidente Lula, voltam as idéias "alternativas" ao único meio eficaz de criá-los, que - todos já deveriam saber - é o crescimento econômico. Assim, recomeçam as centrais de trabalhadores a falar sobre redução de jornada (sem a correspondente diminuição dos salários, é claro) e a reclamar da utilização de horas extras pelas empresas, prática que estaria aumentando em face do recente aquecimento da economia brasileira.

Sensível à pressão do meio sindical, de onde proveio, o ministro Ricardo Berzoini - a crer-se no que a imprensa publicou - chega a ameaçar os empresários reincidentes com o envio ao Congresso de proposta de nova legislação, com a finalidade de coibir o horário extra.

Tudo com base na controvertida tese de que as empresas, ao lançar mão desse expediente para fazer frente ao súbito aumento da demanda, estariam deixando de criar novos postos de trabalho, ou seja, contribuindo para manter alta a taxa de desemprego. Daí que, contrario sensu, dificultar ou proibir o "trabalho extravagante" teria o condão de criar os empregos tão necessários.

Tal linha de raciocínio tem o apoio de muitos teóricos do direito do trabalho, os quais argumentam, ainda, com o dano que o prolongamento da jornada pode causar à saúde do trabalhador.

Não bastasse, surge um porta-voz de certo setor empresarial a endossar a tese: é o caso do sr. Jan Wiegenrick, que, em artigo recentemente publicado na Gazeta Mercantil, afirma que as horas extras "são extremamente prejudiciais" às próprias empresas, pois aumentam a ocorrência de acidentes e encarecem a produção; e aponta, como solução, "o uso de mais trabalhadores por meio do regime de trabalho temporário" (por coincidência, uma das ofertas do grupo empresarial presidido pelo próprio).

Segundo ele, essa modalidade permite que as empresas atendam o aumento de demanda "em condições ideais de concorrência", por não terem que suportar um "aumento de mais de 100% do custo de mão-de-obra sobre o preço da unidade produzida".

Em defesa de sua receita, o sr. Wiegenrick usa a "ponta do lápis", calculando as diferenças de custo entre a utilização de horas extras dos trabalhadores permanentes e a simples contratação de temporários (como se tratasse de um cálculo tão complicado que precisasse ser explicado aos empresários brasileiros).

Não sei se ele continuará tendo ao seu lado muitos sindicalistas e doutrinadores - pois os contratos de trabalho temporários não são nada populares nesse meio -, mas, do meu ponto de vista - com todo o respeito -, a sua argumentação contém falha grave, por comparar relações de trabalho de natureza heterogênea.

Destaco dois aspectos essenciais: primeiro, para ser competitiva, hoje, a indústria usa cada vez menos "mão-de-obra" e cada vez mais "cérebro-de-obra", quer dizer, profissionais altamente especializados, com longo tempo de adaptação à tarefa específica, aos grupos de trabalho e aos métodos da empresa. Objeção: tal tipo de capital humano não está facilmente disponível no mercado, muito menos se agrega instantanea-mente com contratos temporários.

Segundo: a atual gestão da produção envolve a formação de equipes interdisciplinares, atuando em processos complexos. Objeção: um aumento de, digamos, 20% no volume a ser produzido não pode ser enfrentado com a contratação, por exemplo, de 20% de um supervisor, mais 20% de um ferramenteiro, mais 20% de um operador de máquina digitalizada, etc.

Os próprios críticos das horas extras reconhecem que os altos custos do desligamento inibem as empresas de contratarem novos colaboradores, quando não há confiança na continuidade da elevação das vendas, o que é o caso comum de um mercado que evolui "em lombo de camelo", com altas e baixas difíceis de prever.

Esses críticos deveriam atentar também para as objeções apontadas, em grau suficiente para compreender que as alternativas de proibir horas extras ou reduzir a jornada não passam de idéias simplistas, que não atendem à necessidade das empresas, em um mercado competitivo e globalizado (muito mais em um cenário como o do Brasil, pressionado por juros e impostos em excesso e com o horizonte carregado de ameaças de "apagões" de energia e de logística).

Num tal cenário, para um "pico" de demanda de duração incerta, a alternativa para a utilização de horas extras, com aumento de produção, pode ser, simplesmente, não aumentar a produção, sem contratar nenhum trabalhador mais. O que, convenhamos, não serve a ninguém.

kicker: A indústria usa cada vez mais profissionais especializados, difíceis de achar no mercado