Título: Brasil, o país do "depois..."
Autor: Wilen Manteli
Fonte: Gazeta Mercantil, 26/10/2004, Opinião, p. A-3

Enquanto isso, adiam-se providências para estradas e portos. Os chamados "gargalos logísticos" têm sido objeto de insistentes apelos e alertas do setor empresarial ao governo. E não é para menos: neste momento de retomada do crescimento econômico do País, e portanto de renovação das expectativas de recuperação do emprego e da renda, as metas de exportação podem ficar comprometidas por deficiências (graves, em alguns casos) da infra-estrutura e da gestão do sistema de transportes.

Era de esperar, neste momento tão delicado, que Brasília estivesse mobilizada para resolver esses problemas ou, no mínimo, para intervir de imediato nos pontos críticos da cadeia logística. Mas, ao se visitar qualquer gabinete do Executivo ou do Legislativo para obter informações, providências ou pelo menos alguma demonstração de empenho das autoridades públicas, a resposta é invariavelmente a mesma: "Só depois das eleições".

Bem, estamos ainda no início do último trimestre de 2004. Em novembro, após o segundo turno das eleições, certamente a resposta para as mesmas demandas será: "Só depois das festas de fim de ano". Em janeiro, já que ninguém é de ferro, o mês é de férias e tudo será obviamente adiado para "depois do carnaval", que em 2005 cai logo no início de fevereiro (dia 8). Em resumo, tudo se passará como de praxe nos anos eleitorais. O País vai parar por no mínimo cinco meses. Quase meio ano.

Enquanto a cadeia logística vai se deteriorando e os gargalos ameaçam inviabilizar algumas exportações, projetos urgentes e prioritários para equacionar esses problemas estão paralisados, e assim devem permanecer até depois do carnaval. No âmbito do Poder Legislativo, na área de transportes, os mais importantes são o projeto das Parcerias Público-Privadas (PPPs) e o projeto de lei que redefine o papel das agências reguladoras. No âmbito do Executivo, as ações mais urgentes seriam a adaptação dos contratos de exploração de áreas portuárias de uso público ou privativo aos dispositivos da Lei dos Portos.

Um sério obstáculo à eliminação dos gargalos logísticos no sistema portuário é a Resolução n 55 da Antaq - um dispositivo que atenta não só contra os planos de expansão da infra e superestrutura portuárias pelos atuais investidores como também contra o interesse de futuros investidores no setor portuário. O setor empresarial vem empreendendo, até agora sem sucesso, insistentes gestões junto aos poderes Legislativo e Executivo no sentido de revogar esse dispositivo. Mas, ao que tudo indica, nenhuma solução prática deverá vir antes do carnaval. Nem pensar! Ações? Providências? "Só depois..." Caso contrário, seria quebrar uma tradição nacional.

No cenário global, a realidade é outra. A China, a Índia e demais países emergentes do Oriente, que são grandes concorrentes do Brasil no comércio internacional, vivem uma verdadeira revolução de produtividade que começa nas indústrias e repercute na cadeia logística. Os governos desses países sabem que o desenvolvimento sustentado de suas exportações depende fortemente da eficiência dos meios de transporte e dos portos e não têm medido esforços para atualizar-se tanto gerencialmente quanto tecnologicamente nessas áreas.

Por essas razões é que o pique de crescimento que o Brasil está vivendo tem de ser aproveitado agora. É como se fosse uma onda: ou a economia brasileira "surfa" nela ou terá de aguardar a próxima, talvez por anos. Nesse contexto, a lentidão do poder público é um fator de dissuasão, não só para o setor produtivo brasileiro, mas também para investidores estrangeiros que estão buscando oportunidades para empregar seu capital. Se o Brasil continuar nesse ritmo, paralisando a máquina pública de dois em dois anos em função de campanhas eleitorais, sem contar os feriados e as greves, resta saber por quanto tempo mais o País terá fôlego para resistir.

E o pior de tudo é que o subdesenvolvimento, a miséria, o desemprego e suas nefastas conseqüências não esperam. São problemas crescentes. "Depois do carnaval" poderá ser tarde demais para tomar providências.

kicker: Infra-estrutura espera as eleições. E vêm aí o fim de ano, as férias e o carnaval