Título: Ao vencedor, um déficit recorde
Autor:
Fonte: Gazeta Mercantil, 26/10/2004, Internacional, p. A-10
Quem herdar a presidência precisará de apoio das potências para evitar crise de pagamento. O próximo presidente dos Estados Unidos herdará o maior déficit da história do país e possivelmente não terá muita escolha, a não ser pedir o apoio das maiores potências mundiais para evitar uma crise de pagamentos. Alguns afirmam que o candidato democrata John Kerry estaria melhor posicionado para atrair outros países para esse esforço e a maioria concorda que as tentativas existentes não estão funcionando. Os EUA estão com um déficit em conta corrente sem precedentes de 5,4% da produção nacional neste ano, ou US$ 640 bilhões, e economistas afirmam que o número não pode permanecer tão alto por muito tempo.
O vencedor das eleições da próxima semana, dizem eles, pode ou apertar muito o cinto das contas públicas ou esperar que governos estrangeiros e investidores continuem bancando o país com compras de bônus, ações e ativos americanos. Nenhuma dessas opções parece palatável para a economia mundial.
6% da poupança mundial
Se os consumidores americanos gastarem menos, isso pode prejudicar economias que vinham lucrando com a aparentemente insaciável demanda dos EUA por importações - recorde de US$ 150 bilhões em agosto. E a poupança mundial já é vista como altamente concentrada. Como os EUA precisam de US$ 2 bilhões por dia em dinheiro estrangeiro para ficarem equilibrados, o FMI afirmou que o déficit orçamentário do país absorve 6% da poupança mundial.
A única válvula segura de curto prazo parece ser uma queda do dólar que torne exportações e ativos americanos mais baratos e importações mais caras. Mas isso, alertam economistas, pode prejudicar a economia mundial se sair do controle, pois põe em risco economias dependentes de exportação, como Japão, China e Alemanha, e ainda pode acelerar o ritmo de aumento dos juros nos EUA. Se líderes mundiais pudessem votar, segundo especialistas, eles possivelmente escolheriam um candidato com maior probabilidade de alcançar um acordo internacional para minimizar os problemas.
Acordo. Ou aperto de cintos
Peter Kenen, participante do Conselho de Relações Exteriores, afirmou que a única solução parece ser um grande acordo, com os EUA apertando os cintos, a Ásia aceitando um dólar mais fraco e a Europa impulsionando a demanda interna. Ele acredita que Kerry, que prometeu trabalhar fortemente com os aliados se eleito, pode ter mais êxito nisso. Bush tem sido muito criticado no exterior, por ter liderado a invasão do Iraque sem apoio da ONU."A ênfase que Kerry tem dado para o multilateralismo, o fortalecimento das alianças e abordagens cooperativas significa que ele acredita ser esse o caminho para chegar a esse acerto" com outros países, afirmou.
Raízes do déficit
As raízes dos déficit em conta corrente e orçamentários recordes dos EUA são os cortes de impostos, aumento nos gastos e cortes nas taxas de juros que foram usados para aumentar a confiança dos consumidores após um série de choques econômicos e políticos desde 2000. Essas medidas funcionaram para proteger a economia do impacto do estouro da bolha da internet, dos ataques de 11 de setembro de 2001, da invasão no Iraque e - por enquanto - dos crescentes preços do petróleo.
Os consumidores continuam gastando, o resto do mundo permanece exportando e o governo continua pedindo emprestado. O resultado, no entanto, está no aumento da dependência dos EUA do capital estrangeiro.