Título: Consumidor paga a conta
Autor: Martins, Victor ; Monteiro, Fábio
Fonte: Correio Braziliense, 05/04/2011, Economia, p. 12

O custo de vida mais pesado para o brasileiro neste ano é causado, em boa medida, pelas despesas públicas crescentes em uma economia já bastante aquecida pelos gastos das famílias. No momento em que o Banco Central alterna-se entre o aumento da taxa básica de juros (Selic) e medidas macroprudenciais para conter o consumo, o Executivo (ministérios, autarquias e fundações públicas) mostram dificuldades para cortar as despesas do dia a dia. Em 2011, o governo federal já despendeu R$ 8,2 bilhões a mais com gastos com gasolina, luz elétrica e grampeadores, por exemplo, que no primeiro trimestre do ano passado. Desembolsou R$ 144,8 bilhões ante R$ 136,6 bilhões.

Aos olhos dos especialistas, é essa discrepância entre a promessa de cortes no Orçamento e a realidade que compromete qualquer tentativa de colocar a economia nos trilhos. A fatura dessa disparidade quem paga é o consumidor. A gerente Gleice Xavier, 28 anos, está sentindo no bolso o peso da inflação. Ela diminuiu as idas ao salão de beleza para aliviar o orçamento familiar. ¿Eu fazia as unhas pelo menos duas vezes por semana. Agora, vou no máximo uma vez¿, contou. Versátil, Gleice também aprendeu a escovar o próprio cabelo. ¿Fica bem mais barato secar em casa.¿

Substituições Com o poder de compras corroído, a servidora pública Célia Ramos, 50 anos, também abdicou de alguns luxos. ¿Eu fazia academia, mas ficou muito pesado. Pagava R$ 110 por mês. Troquei a esteira pela caminhada. Foi uma economia e tanto¿, relatou. As substituições de produtos por marcas mais baratas também já fazem parte da rotina de Célia. ¿Troquei um xampu que usava há muito tempo por outro mais em conta. O tomate também subiu bastante. Agora, faço salada de cenoura¿, relatou.

Com o peso dos gastos públicos sobre a inflação, somado ao choque de commodities que ainda se faz sentir nos alimentos mais caros, o mercado refez suas expectativas para a inflação fechada de março, a ser divulgada em 7 de abril. Entre os analistas que mais acertam as previsões, a aposta é de que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) fique em 0,69% ¿ há um mês, a estimativa era 0,54%. Alguns analistas, nessa toada de pessimismo, já esperam que o número fique em 0,72%. (MP, VM e FM)

Superavit em risco O fato de o governo não reduzir as despesas de forma mais enfática pode acabar gerando, a longo prazo, danos às metas inflacionárias. ¿Como ainda não houve redução de despesas, pode ser que haja alguma dificuldade com o superavit primário. Seria uma reação em cadeia, mas ainda é extremamente cedo para afirmar que será assim¿, avaliou Gil Castello Branco, secretário-geral da organização não governamental Contas Abertas.