Título: Nanotecnologia chega ao setor espacial
Autor: Virgínia Silveira
Fonte: Gazeta Mercantil, 26/10/2004, Telecomunicações & Informática, p. A-14
Essa área está criando uma estratégia de desenvolvimento de pesquisas e financiamento. O setor aeroespacial brasileiro já começou a se articular no sentido de estabelecer uma estratégia de desenvolvimento de micro e nanotecnologia aplicadas ao segmento. O primeiro passo visando à criação de estrutura mais organizada de pesquisa em nanotecnologia aplicada ao setor foi dado ontem com a realização de um workshop sobre o assunto, o Nano Aeroespacial 2004, que reuniu representantes dos principais grupos de pesquisa em nanotecnologia do País.
O evento, organizado pela Agência Espacial Brasileira (AEB), Instituto de Estudos Avançados (IEAv), órgão do Centro Técnico Aeroespacial (CTA) e Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), será encerrado hoje com a expectativa de se definirem as linhas de pesquisa que deverão ter prioridade de incentivo e financiamento do governo federal. O passo seguinte, segundo um dos coordenadores do evento, o engenheiro André César da Silva, chefe adjunto da Divisão de Fotônica e da área de Sensores a Fibra Óptica do IEAv, seria a criação de uma rede de nanotecnologia aeroespacial, a exemplo das quatro redes mantidas pelo CNPq desde 2001. As redes abrigam hoje 310 pesquisadores nas áreas de materiais nanoestruturados, nanotecnologia molecular e de interfaces, nanobiotecnologia e nanodispositivos semicondutores.
"Já temos pesquisadores e laboratórios capacitados e prontos para começar a produzir nanotecnologia aplicada ao setor aeroespacial. Para que essa estrutura possa operar em forma de rede seriam necessárias apenas algumas adaptações nos laboratórios e a criação de novas linhas de pesquisa na área", explicou. Entre as áreas com potencial para integrar a nova rede, segundo Silva, destacam-se a de materiais, dispositivos fotônicos, eletrônicos e acústicos e sistemas.
No IEAv, por exemplo, de acordo com Silva, existem três laboratórios que já desenvolvem linhas de pesquisa em nanotecnologia, envolvendo estudos sobre a sintetização de nanotubos de carbono para serem usados em sensores de navegação de veículos lançadores de satélite e pesquisas na área de separação isotópica por laser. As aplicações da nanotecnologia no setor aeroespacial incluem também o desenvolvimento de veículos espaciais de tamanho reduzido, mas com elevado grau de autonomia e poder de processamento da informação.
"Existe a possibilidade de se projetar nanossatélites com peso entre um e 20 quilos e de picossatélites, com menos de um quilo, além de microaeronaves, de apenas 20 centímetros de comprimento". Embora pequenos, os nanoveículos espaciais têm aplicação importante e estratégica nas áreas de guerra eletrônica, reconhecimento aéreo, observação da Terra e previsão do tempo.
O Inpe também tem larga tradição no desenvolvimento de pesquisas em materiais semicondutores e nanoestruturados. O Laboratório Associado de Sensores e Materiais do Inpe (LAS) já desenvolveu detectores de infra-vermelho, células solares e cerâmicas nanoestruturadas visando à produção de sensores de umidade e de gases. "Esse tipo de sensor tem aplicação ambiental nas plataformas de coleta de dados (pcds) que fornecem dados para previsão meteorológica", explica o chefe do Laboratório, Eduardo Abramof.
Atualmente, segundo Abramof, existem cerca de 600 pcds em operação no país. Essas plataformas são formadas por um conjunto de dispositivos eletrônicos capazes de medir variáveis meteorológicas e hidrológicas por meio de sensores de água, temperatura, umidade relativa do ar, precipitações, velocidade e direção dos ventos e pressão atmosférica. Essas informações são transmitidas para os satélites de coleta de dados (SCDs), que retransmitem o sinal para o Centro de Recepção do Inpe em Cuiabá (MT).
Para o representante do Instituto do Milênio de Nanociências, Wagner Nunes Rodrigues, a área de nanociência e de nanotecnologia tem um grande potencial de desenvolvimento no Brasil, mas para que isso se torne realidade o governo precisa aumentar o esforço de investimentos aos projetos com o lançamento de novos editais. "O governo está muito concentrado hoje em apoiar as atuais redes de nanotecnologia". Os investimentos do País em nanotecnologia neste ano, segundo Rodrigues, são da ordem de R$ 8 milhões.
O setor aeroespacial brasileiro, de acordo com o pesquisador, que também integra a rede de materiais nanoestruturados, é o único segmento de alta tecnologia do País que tem reconhecimento no exterior e no qual o Brasil é considerado um "player". "Temos potencial para nos tornar ainda mais expressivos nessa área, investindo em novas linhas de pesquisa como a nanotecnologia".
O indústria, segundo Rodrigues, também precisa participar de uma forma mais efetiva do desenvolvimento de tecnologia baseado nas pesquisas conduzidas pelos pesquisadores. "A nanotecnologia representa um avanço na capacidade de se gerar novos produtos e facilidades para a humanidade, que até então se pensava não serem possíveis". Exemplos não faltam: tecidos resistentes a manchas, vidros autolimpantes, sensores eletrônicos mais sensíveis que o paladar humano que avaliam a qualidade de bebidas, drogas mais eficazes para tratamento de doenças como o câncer, entre tantas outras inovações.
kicker: Existe a possibilidade de se projetar nanossatélites, picossatélites e microaeronaves