Título: Crescimento sem investimento
Autor: Belmiro Valverde Jobim Castor
Fonte: Gazeta Mercantil, 23/08/2004, Opinião, p. A-3

Finalmente os sinais vitais da economia brasileira dão sinal de melhora, com a produção industrial crescendo vigorosamente, o desemprego cedendo um pouco nas áreas metropolitanas e a balança comercial superando as previsões mais otimistas. No entanto, já surgem também indícios fortes de que dois fatores limitadores podem frustrar uma retomada duradoura: a capacidade instalada de diversas indústrias básicas está sendo utilizada quase integralmente, muito acima dos níveis de prudência; e a infra-estrutura pública está à beira de um colapso: portos e aeroportos abarrotados, estradas em processo acelerado de destruição, prognósticos sérios de que estamos a caminho de um novo apagão energético em dois ou três anos. Isso para não falar nos investimentos sociais, em que a educação e a saúde pública, a Previdência Social e os serviços de segurança experimentam virtual paralisia por falta de recursos mínimos. Nos dois casos, é preciso investir urgentemente. O caso do investimento privado é mais simples, embora com juros altos e um retrospecto de três anos de lucros medíocres as empresas não encontrem muito fôlego para promover uma ampliação significativa da capacidade instalada a curto prazo. Mas o caso do investimento público é simplesmente dramático. Deixando de lado as dificuldades políticas do governo junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI) para flexibilizar as restrições quanto ao endividamento público e às exigências de um colossal superávit para estabilizar (na melhor das hipóteses) a dívida pública, há duas realidades incontestáveis: primeira, a situação da dívida interna é insustentável a médio e longo prazos, pois simplesmente, apesar de drenar todos os recursos públicos que poderiam ser utilizados na ampliação e modernização das redes infra-estruturais, o superávit primário do setor público brasileiro (R$ 66 bilhões em 2003), tão celebrado pelos governantes, não foi suficiente sequer para pagar a metade dos juros no mesmo período (R$ 145 bilhões). Em outras palavras, o Brasil se assemelha a uma família endividada que, agindo responsavelmente para não sujar seu nome na praça, vende o carro, tira os filhos do colégio particular, muda para um apartamento alugado na periferia, faz meia-sola nos sapatos e adia o tratamento dentário. A vida da família é miserabilizada e seu futuro comprometido, mas, apesar disso, a dívida continua a crescer. Para não soar como retórica vazia, um estudo recente do prof Judas Tadeu Mendes demonstra que, nos últimos cinco anos, o setor público brasileiro gastou R$ 511 bilhões para servir a dívida, algo como 200 bilhões de dólares, quase 40% do PIB brasileiro. Os petistas no poder aparentemente não estão impressionados com essa situação. Com um apagão energético à vista, ainda estão discutindo o marco referencial dos investimentos no setor; as estradas estão destroçadas, mas os investimentos federais necessários para recuperá-las ainda estão ou no terreno das promessas ou nas etapas preliminares. Quanto aos portos, a situação não é melhor, enquanto a educação e a saúde pública esperam melhores dias. Mas muito pior, o governo Lula não tem sido capaz de gastar nem os recursos disponíveis, como comprova o fato de que o superávit primário tem sido maior do que o exigido pelo FMI. De novo, é como o pai de família que paga aos credores mais do que estes concordaram em receber, enquanto sua família passa fome. O governo federal está colocando todas as suas esperanças na aprovação da legislação sobre Parcerias Público-Privadas (PPPs) como se fossem uma panacéia universal e imediata, mas é onírico imaginar que investimentos de longa maturação comecem a jorrar em um país em que as regras contratuais têm sido freqüentemente desobedecidas, enquanto os governantes atuais reinterpretam, unilateralmente, os contratos assinados. Ou o Estado recupera, rapidamente, sua capacidade própria de investimento (e se mostra mais eficaz em aplicar os recursos de que dispõe) ou o apagão é inevitável. Da mesma forma, ou o Estado reestrutura o financiamento da dívida pública, alongando agressivamente os prazos, reduzindo os juros e re-definindo os papéis do sistema financeiro e dos investidores institucionais no seu financiamento de longo prazo, ou nós chegaremos rapidamente a um impasse. É bom lembrar que, quando esse tipo de impasse ocorre, uma das poucas alternativas para sair dele é absolutamente desastrosa: é o governo assistir, impassível e resignadamente, ao recrudescimento da inflação que, se voltar aos níveis que já experimentamos no passado, transformará sua dívida em pó e com ela a credibilidade conquistada a tão duras penas. O pobre pai de família terá morrido na praia - depois de ter desgraçado a vida de seus parentes durante mais de uma década - e ainda ficará mal falado na praça.