Título: 'Erro trágico' mata brasileiro inocente
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Fonte: Gazeta Mercantil, 24/07/2005, Internacional, p. A13

O homem morto por engano pela polícia britânica na sexta-feira, no metrô de Londres, por suspeita de ser terrorista, era brasileiro. Jean Charles de Menezes, de 27 anos, era natural de Gonzaga, no interior de Minas Gerais, e vivia legalmente há cinco anos na capital britânica, onde trabalhava como eletricista. A identidade da vítima foi confirmada pelo consulado brasileiro em Londres ontem. Mais cedo, a Scotland Yard havia anunciado que a vítima não tinha nenhum vínculo com os atentados de quinta-feira e que sua morte foi ''um erro trágico''.

O comunicado diz que ''o fato de alguém perder sua vida em circunstâncias como essas é uma tragédia, a qual a polícia metropolitana de Londres lamenta''. Ainda de acordo com o texto, Jean foi seguido por policiais ao deixar um prédio de apartamentos no sul de Londres, que estava sendo investigado por uma ligação com os recentes ataques à cidade. Na quinta-feira, explosões atingiram três estações de metrô e um ônibus em Londres, sem deixar nenhuma vítima.

A polícia desconfiou de Jean Charles porque ele usava um casaco pesado, apesar do calor ambiente, o que levantou suspeitas de ele estar escondendo explosivos. Ao entrar em um vagão na estação de Stockwell, os policiais à paisana mandaram que ele parasse. O brasileiro correu e foi encurralado por um dos policiais, que disparou à queima-roupa cinco vezes contra sua cabeça. Segundo passageiros da estação, ele foi jogado ao chão antes de receber os tiros.

O Ministério das Relações Exteriores brasileiro divulgou nota ontem declarando que o governo está chocado e perplexo com a morte de Jean Charles. ''O Governo aguarda as explicações que as autoridades britânicas tenham a fornecer sobre as circunstâncias que teriam levado a essa tragédia'', diz o texto, classifica o mineiro como ''aparentemente vítima de lamentável erro''. O comunicado manifestou profundo pesar pelo ocorrido.

Ainda de acordo com a nota, o ministro Celso Amorim, que viajou ontem para Londres para participar de reuniões sobre a reforma das Nações Unidas, determinou à Embaixada do Brasil que solicitasse entrevista com o secretário do Exterior britânico, Jack Straw, para esclarecer a ação. Amorim foi autorizado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para, caso seja necessário, ignorar a agenda oficial e cuidar apenas do assunto. Na Grã-Bretanha, o caso será investigado pela Scotland Yard e uma comissão independente.

O reconhecimento do corpo foi feito por um primo de Menezes, Alex Alves Pereira, que ligou para a família de Jean Charles para dar a notícia de sua morte. Os parentes, indignados, ainda não decidiram quando fazer o translado do corpo para o Brasil. Eles pretendem pedir ao governo britânico que arque com as despesas funerárias.

A comunidade brasileira em Londres anunciou que vai fazer um protesto contra a morte do eletricista. Grupos muçulmanos também manifestaram indignação.

- Dar licença para alguém matar assim, apenas com base em suspeitas, é muito assustador - disse à rede de tevê BBC Azzam Tamimi, da Associação Muçulmana da Grã-Bretanha - São vidas humanas que estão em jogo aqui, seja nas mãos de terroristas ou, nesse caso, infelizmente, de pessoas que deveriam estar caçando e prendendo estes terroristas.

Ontem, a polícia britânica disse ter encontrado um objeto abandonado supostamente similar às bombas usadas nos últimos ataques. Segundo a Scotland Yard, um exame inicial mostrou que o objeto pode ser parte dos artefatos encontrados em quatro locais incluídos nos últimos atentados. O objeto foi encontrado escondido em um arbusto.

Os efeitos do clima de aprreensão dos ingleses também podia ser notado na estação de metrô Mile End, no leste de Londres, que chegou a ser fechada ontem de manhã por um alerta de segurança. A estação serve à linha Central Line e ficou algumas horas fechada antes de ser liberada. Segundo testemunhas, havia fumaça saindo do local. Cerca de cem pessoas estavam na estação no momento em que foi emitido o alerta.

Devido aos ataques de quinta-feira, algumas linhas do metrô londrino ainda operam com atrasos. As estações afetadas pelas explosões - Shepherd's Bush (oeste), Warren Street (centro) e Oval (sul) - continuam fechadas. Ontem, a polícia britânica prendeu, em Stockwell, um suspeito de estar ligado aos atentados. Na sexta, outro homem havia sido detido no mesmo bairro, como parte das operações da polícia britância de repressão ao terrorismo.