Título: Avança ampliação do foro privilegiado
Autor: Daniel Pereira
Fonte: Gazeta Mercantil, 23/08/2004, Política, p. A-6

Taxação de inativos pelo STF sinalizaria tendência de aumentar limites do privilégio. Além de garantir um reforço no caixa da Previdência Social, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de manter a taxação dos inativos indica vitória do governo em outro tema caro aos integrantes do primeiro escalão - o da ampliação das hipóteses de foro privilegiado. É o que afirmam de forma reservada dois ministros do STF. Eles dizem que a aprovação de uma emenda constitucional estendendo o foro implicará o arquivamento da ação que contesta a medida, prevista atualmente em lei ordinária, e anulará futuras contestações judiciais.

A mesma solução foi adotada na análise da cobrança de contribuição previdenciária de aposentados e pensionistas. A medida foi considerada inconstitucional em 1999 porque era amparada apenas por uma lei ordinária. Na semana passada, no entanto, blindada por uma emenda constitucional, passou por sete votos a quatro no Supremo. "Qual seria o fundamento para questionar a emenda constitucional?", pergunta um dos ministros do STF, certo de que a ampliação do foro privilegiado será ratificada caso haja a aprovação de uma emenda.

Primeiro passo

O primeiro passo nesse sentido já foi dado. Em julho, o Senado Federal incluiu na Reforma do Judiciário, aprovada em primeiro turno, a ampliação das hipóteses de foro privilegiado. Atualmente, a Constituição prevê a prerrogativa apenas para autoridades no exercício da função e em casos de ações penais comuns e de crime de responsabilidade. Se o dispositivo incluído pelos senadores for aprovado em segundo turno e depois pela Câmara, o foro beneficiará também ex-ocupantes de cargos públicos e será estendido para os casos de ações populares e de improbidade administrativa.

A tendência é de que as mudanças sejam aprovadas, uma vez que situação e oposição estão trabalhando juntos no tema. Na verdade, a cooperação entre os dois pólos políticos já havia ocorrido em dezembro de 2002, quando um acordo entre PT e PSDB, em posições opostas às atuais, permitiu a tramitação em tempo surpreendente da Lei 10.628, que estabeleceu as hipóteses de foro privilegiado agora incorporadas no texto da Reforma do Judiciário. Prestes a deixar o cargo, o então presidente Fernando Henrique Cardoso foi um dos principais beneficiados pela nova lei.

A decisão de incorporar as mudanças na emenda constitucional é uma precaução. Visa a prejudicar o julgamento da ação ajuizada pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp). A associação alega que a Lei 10.628 não pode alterar a Constituição. Mesmo que o julgamento ocorra e o governo perca, a ampliação do foro privilegiado será recuperada pela aprovação da emenda constitucional. Um dos efeitos da mudança será a "subida" dos processos contra autoridades públicas, no exercício da função ou não, da primeira instância para os tribunais superiores.

Congestionamento

"A ampliação do foro privilegiado pode inviabilizar os tribunais superiores e prejudicar o julgamento dos processos", afirma o ministro do Supremo Carlos Velloso, preocupado com o número de ações em curso contra ministros, deputados, senadores e governadores - que desaguariam nas principais cortes do País e poderiam provocar congestionamento. Outra conseqüência da mudança é o aumento da dificuldade para combater a corrupção - segundo procuradores e promotores, responsáveis por apresentar as ações contra as autoridades públicas à primeira instância. "Sinto-me honrado, é sinal de que eles confiam no taco do STF", comenta o ministro Marco Aurélio de Mello, referindo-se às manobras para ampliar o foro. A ironia é uma de suas marcas.