Título: Uma robusta disposição de investir
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Fonte: Gazeta Mercantil, 28/10/2004, Opinião, p. A-3
A leitura da "Sondagem Especial de Investimento", referente ao terceiro trimestre, divulgada na terça-feira pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), torna-se duplamente reconfortante quando, no intervalo de sete dias, se é informado por empresas de avaliação de risco de que o Brasil estaria situado abaixo de Botsuana na preferência de investidores ou, pelas propostas de oferta de crédito, de que o spread mantém a sua nova escalada há quatro meses, sob o estímulo da majoração da taxa básica de juros pelo Banco Central.
E como se isso não bastasse para caracterizar um ambiente nada propício ao investimento, informações supostamente confiáveis intentam remover o que restaria de confiança nas inversões produtivas. Sem que se conheça o propósito, brande-se um imaginário estrangulamento iminente no setor de infra-estrutura. Lembra-se, em especial, um artigo publicado por um jornal londrino, que, apoiado em informações tidas como desatualizadas pelo Ministério das Minas e Energia, acena com o risco de um novo apagão na oferta de energia elétrica, às vésperas da realização no Brasil do maior leilão de todos os tempos - 28 mil MW, no valor de U$S 280 bilhões (leia-se: bilhões). Enquanto um relatório também desinformado da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) alude à existência de um ambiente hostil aos investimentos externos em petróleo no Brasil.
É se encontrando sob essa torrente de avaliações equivocadas e suspeitas que se chega à plena compreensão dos resultados da sondagem da CNI. Depois de ouvir 1224 empresas entre julho e setembro, a CNI constatou que 94% das grandes empresas e 82% das pequenas e médias planejam investir no próximo ano, numa demonstração de confiança na expansão do mercado interno e no incremento das exportações. Tais índices são superiores aos do ano passado, a indicar que é ainda mais intensa agora a expectativa de consolidação de aumento no consumo, o que estimula planos de ampliação da capacidade produtiva.
O principal motivo apresentado para o aumento dos investimentos é a expansão da produção - intenção que entre as grandes empresas elevou-se de 47,8% no ano passado para 61,8% agora. Também entre as pequenas e médias o numero das que investirão por aumento da produção cresceu, de 51,4% para 56,7% do total.
É igualmente reconfortante ler os resultados da sondagem à luz das premonições do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central. A sondagem da CNI, que é feita diretamente junto aos empresários do setor industrial, desautoriza tais premonições - construídas em simbiose com operadores do mercado financeiro - de iminente exaustão da oferta industrial por plena utilização da capacidade produtiva. O porcentual de empresas que considera que há condições de atender à demanda estimada por produtos atinge 80%, sendo que apenas quatro dos dezoito setores pesquisados admitem dispor de capacidade insuficiente. A capacidade instalada não é, pois, empecilho ao crescimento industrial em 2005, como faz questão de enfatizar o presidente da CNI, Armando Monteiro, contrariando o diagnóstico do Banco Central, reiteradamente expresso nas atas do Copo dos últimos meses.
A leitura da pesquisa conduz a outras constatações relevantes. Assim, pode observar-se que a intenção de investir no aumento da produção, para atender à expansão da demanda, pode ser frustrada pela política de elevação dos juros como instrumento de contenção da inflação.
A incerteza - que a indústria de avaliações de risco amplifica, com o propósito de justificar junto aos clientes a cobrança pelo serviço - não reside, com certeza, numa fantasiosa iminência de colapso da infra-estrutura ou na "baixa atratividade do Brasil para as empresas estrangeiras de petróleo", e sim nos excessos de conservadorismo do Banco Central, que, receoso do natural e benfazejo desequilíbrio entre oferta e demanda, parece aspirar pela paz dos cemitérios. Ignora que o crescimento caracteriza-se pelo regular rompimento do estado de equilíbrio.
Sobre a disposição dos empresários em investir - desde que o Banco Central não atrapalhe -, lembrem-se ainda dois fatos registrados à margem da sondagem da CNI. No primeiro leilão do programa de energias alternativas, no qual o governo oferecia a oportunidade de geração de 1 mil MW, surgiram ofertas para três vezes mais. Na mais recente rodada de licitação de áreas para exploração de petróleo, registrou-se um número recorde de empresas interessadas - e tamanha é a corrida pela exploração do petróleo que a meta de auto-suficiência nacional, prevista para 2006, deverá ser antecipada pela Petrobras para o próximo ano.