Título: Paralisado mercado de terras com queda da soja
Autor: Lucia Kassai, Paulo Soares, Caio Cigana e Karlon A
Fonte: Gazeta Mercantil, 23/08/2004, Agribusiness, p. B-12

Produtores rurais estão cautelosos e preferem arrendar áreas de plantio a investir na abertura de novas fronteiras. O agricultor Orcival Guimarães, de Lucas do Rio Verde (MT), visitou algumas propriedades à procura de terras para comprar, mas, quando os preços da soja começaram a cair, ele suspendeu todas as negociações. "A terra é o maior bem do produtor rural, mas a rentabilidade da agricultura deve ser menor neste ano e não posso correr tantos riscos". Guimarães, que pretende plantar 16,8 mil hectares de soja, diz que na safra 2004/05 sua rentabilidade não deve ser superior a 5%. "Na safra passada, sem muito esforço, era possível ganhar até 20%".

Os negócios com terras agrícolas estão praticamente paralisados nas principais regiões do País. "Os preços estão inflacionados por causa do bom desempenho do ano passado e isso está afastando compradores", diz José Humberto Guimarães, coordenador da Bolsa de Parcerias e Arrendamento de Terras, localizada em Uberaba (MG).

Prova de que os preços da terra estão valorizados é que, no ano passado, o hectare subiu 30,1%, em relação a uma inflação de 7,7%, informa a Fundação Getúlio Vargas (FGV). Os preços subiram em sacas de soja - indexador informal da agricultora - e também em reais.

Para este ano, o quadro é outro. Com a queda dos preços da soja - as cotações na bolsa de Chicago recuaram 43% desde maio, quando foi anunciada a primeira previsão de supersafra americana -, o hectare ainda permanece estável em sacas, porém recuou em reais. A exceção são as áreas de terra bruta nas fronteiras agrícolas. "Lá a tendência é de valorização em sacas, porque essas são áreas que estão sendo preparadas com adubos e corretivos", diz José Antonio Pusch, analista da FNP Consultoria. Ele diz que uma área de terra bruta no oeste da Bahia, que hoje custa entre 40 e 50 sacas o hectare (R$ 1,2 mil a 1,5 mil), pode alcançar o preço de 200 sacas (R$ 6 mil) após ser corrigida e adubada.

Euforia passou

"No ano passado foi uma euforia, mas neste ano o mercado de terras está parado", diz Tarcisio Sacheti, produtor rural de Rondonópolis (MT). "As chuvas do ano passado e os casos de ferrugem asiática afastaram compradores", acredita. No sul do estado, o preço médio da terra é de 100 sacas o hectare (R$ 3,5 mil), mas em locais de terras preparadas e bom acesso rodoviário os preços alcancem até 300 sacas (R$ 10,5 mil).

"A lucratividade da soja foi tão boa que mesmo áreas recém-desmatadas passaram a dar lucro em um ano, quando historicamente não são rentáveis antes de dois anos", afirma Pusch.

Segundo Luiz Eduardo Pilatti, presidente do Sindicato dos Produtores Rurais dos Campos Gerais, em Ponta Grossa (PR), a recente queda de preços inibiu novos negócios. "Nos últimos anos, a euforia foi tamanha que as áreas maiores já trocaram de mãos e as menores são um risco muito grande com os baixos preços da oleaginosa", diz. Lá, as áreas mais valorizadas custam, em média, entre 330 e 410 sacas de soja o hectare (R$ 11,5 mil a R$ 14,4 mil).

Arrendar e não comprar

Nos anos de preços altos da soja os preços da terra bruta eram tão baixos, que era preferível comprar e investir a arrendar. Em algumas regiões, como no oeste da Bahia, a maioria das grandes áreas foi comprada e quase não há oferta de arrendamento.

Neste ano, o arrendamento voltou a ser um negócio atraente para os agricultores. Otaviano Pivetta, de Lucas do Rio Verde (MT), preferiu arrendar terras nesta safra a comprar. "Além dos preços estarem muito elevados e o risco ser alto, não quero imobilizar ativos que depois terei praticamente a obrigação de rentabilizar." Em 2004/05, ele pretende plantar 105 mil hectares entre soja, algodão, milho e arroz. Desse total, 20 mil hectares foram arrendados.

Orcival Guimarães também optou por arrendar 6,7 mil hectares a comprar terras. Ele assinou os contratos de arrendamento no início do ano, antes de os preços da soja desabarem no mercado internacional. "Hoje, se pudesse, não arrendaria nada. Mas os contratos já estão assinados e não me resta saída a não ser plantar e rezar para que os preços subam", diz.

Como os negócios de compra e venda de terras estão estagnados, aumentou a oferta de arrendamento. "A oferta aumentou e agora a tendência é de queda dos preços do arrendamento", diz Pusch, da FNP Consultoria. O hectare, que historicamente custava 8 sacas de soja no arrendamento, subiu para 12 sacas nos últimos anos. "Os preços devem sofrer uma correção".

Boi dá lugar à soja

Se a soja não tem perspectivas tão otimistas para 2004, o mesmo não acontece com o boi, a cana-de-açúcar e o café. "O boi deve ter valorização de até 10% até o final do ano, o que deve valorizar as áreas de pastagens", diz Pusch. Ele afirma que os preços estão momentaneamente baixos graças ao abate de animais que deram espaço para a soja e ao abate de matrizes. "Com as exportações em forte ritmo de crescimento, o quadro de oferta deve se reequilibrar até o final do ano e talvez o boi retome o pasto que foi tomado dele", diz.

Algodão puxa preço

No oeste da Bahia se a soja está em baixa a vedete do momento é o algodão. As áreas brutas de cultivo da fibra, que custavam 50 sacas de soja (R$ 1,5 mil) por hectare em 2003/04 tiveram valorização de 40% neste ano, e estão cotadas a 70 sacas (R$ 2,1 mil). "Cresceu o interesse pelo algodão porque a região tem vocação para seu plantio e os produtores estão animados com a decisão favorável da Organização Mundial de Comércio (OMC)", diz João Alfredo Santos, corretor de terras da região.

Em julho, a OMC condenou os Estados Unidos por conceder subsídios aos produtores de algodão. A decisão favorece os cotonicultores brasileiros.

Minas Gerais

Já se foi o tempo em que a terra era vista como mecanismo de defesa contra inflação. "Após o Plano Real e sobretudo depois da desvalorização do câmbio, em 1999, os produtores se viram forçados a explorar a terra produtivamente para torná-la lucrativa", diz Ignez Vidigal Lopes, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), ligado à FGV.

Em Minas Gerais, com a aproximação do plantio da safra de grãos, inicia-se no Triângulo Mineiro, onde predomina a soja, a corrida para arrendamento de terras, solução importante para agricultores profissionais que não têm propriedades rurais mas que possuem recursos financeiros e ou conhecimento para o cultivo. Mas, assim como ocorre com o mercado de terras, o de locação também está com preços inflacionados, diz José Humberto Guimarães, coordenador da Bolsa de Parceiras e Arrendamento de Terras de Uberaba.

A terra no Brasil, diz ele, está com custo maior do que o seu real valor graças a especulações que já dominam o mercado. "Os valores não condizem com aquilo que a terra traz de retorno financeiro. A supervalorização da soja é um dos motivos", disse. A média de valor cobrado hoje pelo proprietário é de cinco a seis sacas de soja por hectare arrendado. Mas, há casos em que a locação atingiu dez sacas por hectare a cada safra. O valor, segundo Guimarães, é alto porque nos cinco primeiros anos de lavoura, cada hectare produz 45 sacas.

Maior rentabilidade

Uberaba possui área de 150 mil hectares cultivados com grãos, dos quais 75% por meio de terras arrendadas. A soja responde por 100 mil hectares e o milho, 40 mil.

Guimarães diz que muitas das terras locadas são provenientes da pecuária e, algumas, de terras degradadas. "Arrendando para o plantio de soja, o proprietário tem mais rentabilidade do que a criação de gado e, ainda, revitaliza a terra", disse. Nos cálculos de Guimarães, o proprietário recebe US$ 50 (R$ 150) de arrendamento o hectare. Já a atividade pecuária rende apenas R$ 90.

A Bolsa de Arrendamento de Uberaba atua também no sudeste da Bahia, Goiás e oeste paulista (ver abaixo). O contrato de arrendamento é muito parecido com o aluguel. Um agricultor profissional arrenda uma área de terra nua, uma pastagem ou mesmo uma fazenda completa e montada, pagando ao proprietário uma quantia fixa por tempo determinado. Todos os riscos e lucros são assumidos apenas pelo arrendatário. Esse contrato permite ao agricultor arrendatário acesso a todos os créditos de custeio e de comercialização disponíveis no mercado. Ele tem também os benefícios dos preços mínimos e pode associar-se às cooperativas.

Guimarães destacou um fato que retrata como o mercado de terras no Brasil está inflacionado e sofre com questões peculiares e especulativas. Para a compra de terras, ele disse que há diferenças de preços absurdas na mesma região. Ele cita um exemplo. Uberaba é separada do oeste de São Paulo pelo Rio Grande. Na margem paulista, o alqueire (2,4 hectares) custa cerca de R$ 50 mil. Na margem mineira, o alqueire mineiro, que é o dobro do tamanho, custa entre R$ 30 mil e R$ 40 mil.

Rio Grande do Sul

Também no Rio Grande do Sul, a escalada da cotação da soja nos últimos anos também elevou os preços da terra embora percentualmente o maior crescimento foi verificado em áreas de pecuária.

"Como o pessoal que cultiva soja não tinha mais para onde se expandir, procurou as terras de pecuária", afirma Ricardo Barbosa, economista da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater). O estudo semestral conduzido pela empresa do governo estadual leva em consideração a existência de três tipos de terra: várzea, pecuária e coxilha.

No caso das áreas avaliadas como de pecuária, o aumento nominal médio do preço nos últimos três anos foi de 400%. Na região de Ijuí, no noroeste gaúcho, zona tradicional no cultivo de grãos, o hectare para a pecuária chega, em média, R$ 9,4 mil, o mais alto verificado pela pesquisa. Na região de Bagé, na Metade Sul, onde predomina a pecuária, o valor subiu para R$ 3,1 mil. O preço mais baixo é em Pelotas, também na Metade Sul, R$ 1,57 mil o hectare.

Com esta valorização, as terras de pecuária alcançaram o mesmo preço médio observado para as áreas de coxilha, estas sim voltadas para o cultivos de soja e milho e predominantes na Metade Norte do estado. A valorização das terras de coxilha no Rio Grande do Sul, no entanto, foi percentualmente menor nos últimos três anos, que subiu 170%, segundo a Emater.