Título: Mudança do cenário agrícola
Autor: Fernando Homem de Melo
Fonte: Gazeta Mercantil, 24/08/2004, Opinião, p. A-3

Os custos internacionais dos fertilizantes estão em alta. O cenário agrícola, entendido como incluindo as perspectivas para a safra 2004/05, está mudando e, particularmente, no caso de grãos, mudando para pior. A mudança mais nítida ocorre para a soja (e derivados), mas também está presente nos casos do algodão, milho e trigo, sempre no contexto de preços internacionais. Adicionalmente às mudanças nestes, duas outras mudanças precisam ser mencionadas. Primeiro, a elevação de custos de produção, causada principalmente pela elevação dos preços internacionais de fertilizantes. Segundo, uma elevada taxa média de juros nos financiamentos agrícolas, causada pela parcela substancialmente maior do crédito tomado a taxas livremente negociadas com os bancos. Recente reportagem da Gazeta Mercantil, ao analisar as perspectivas para a safra 2004/05, apesar de concluir pela possibilidade de safra recorde de 140 milhões de toneladas, já colocava algumas preocupações, detectadas junto aos produtores, nos casos de milho, algodão e arroz. O aumento viria com a soja, com uma produção estimada em 65 milhões de toneladas. Evidentemente há uma recuperação estatística, pois na atual safra perdeu-se, por razões climáticas, cerca de 8 milhões de toneladas. Mesmo assim, seria um aumento de produção com menores preços e maiores custos. Em se confirmando essa ocorrência, seria mais uma demonstração de nossa elevada competitividade. Afinal, o preço previsto na Bolsa de Chicago no primeiro semestre de 2005 (US$ 214/t) é 36,1% menor que o preço realizado no primeiro semestre de 2004 (US$ 335/t). Considerando-se um índice de preços internacionais de produtos cotados em bolsas (café, suco de laranja, algodão, açúcar, cacau, soja, trigo e milho), o mais recente ciclo de alta iniciou-se em outubro de 2001 e veio até abril último. Entre esses dois meses, esse índice de preços em dólares subiu 55,4%. Entretanto, desde maio esse mesmo índice está em queda. Em julho ele já foi 10,8% menor do que em abril. Olhando-se à frente, para o primeiro semestre de 2005, esse índice estava estimado para ser 8,7% menor, em dólares, que a média do primeiro semestre de 2004. Ainda na comparação de preços internacionais previstos para o primeiro semestre de 2005, contra os realizados no primeiro semestre de 2004, temos as seguintes variações (em ordem decrescente): açúcar, 28,6%; suco de laranja, 23,7%; cacau, 12,8%; café, 4,9%; trigo, -12,1%; milho, -15,7%; algodão, -27,6%; e soja, -36,1%. Portanto, resumidamente, os estados especializados na produção de grãos (regiões Sul e Centro-Oeste) sentirão mais essas mudanças em preços internacionais. São Paulo, por sua vez, com uma agricultura mais baseada em laranja e cana-de-açúcar, deverá mostrar uma situação mais favorável. Ainda no caso da soja, o mercado internacional está "apostando" em safra cheia nos três maiores produtores, Estados Unidos, Brasil e Argentina. É possível, mas incerto, que isso ocorra. A safra norte-americana está em seu momento crítico, enquanto Brasil e Argentina nem sequer a plantaram. Seja como for, temos um sinal de alerta à frente. Isso vale, principalmente, para os produtores tomando financiamentos a taxas de juros livremente pactuadas, em suas várias modalidades, via de regra na faixa de 20%-30% ao ano. A combinação desse nível de taxa de juros com a perspectiva de preços em queda para grãos não é uma agradável combinação. E o câmbio? Voltaremos a R$ 2,80/US$?