Título: Um estímulo necessário ao agronegócio
Autor:
Fonte: Gazeta Mercantil, 29/10/2004, Opinião, p. A-3

O tempo de vacas gordas ¿ para usar um lugar-comum apropriado, no caso, para o agronegócio ¿ acabou, após dois anos de preços altos nos mercados internacionais e de exportações recordes que sustentaram a expansão do comércio exterior brasileiro.

O momento é de entressafra de negócios, o que não deveria surpreender os empresários, acostumados aos períodos de safra e entressafra de seus produtos. A realidade é que os mercados de commodities estão em baixa cíclica após mais um ciclo curto de alta.

O que pode ser motivo de surpresa é a rapidez com que esses ciclos se sucedem. Essa é mais uma das conseqüências da chamada globalização proporcionada pela tecnologia da informação, em que compras e vendas podem ser feitas em tempo real pela internet. Um cenário muito diferente dos velhos tempos em que os ciclos duravam muitos anos ou décadas, e os mercados mundiais eram restritos.

As causas principais dessa inflexão no setor do agronegócio se situam fora de nossas fronteiras. Além de um recorde na produção de soja nos Estados Unidos, de 84 milhões de toneladas ¿ um crescimento de 27% sobre o ano de 2003, que foi fraco devido à estiagem ¿, outras commodities agrícolas também registraram aumento da produção mundial, o que provocou queda de preços. Assim, desde janeiro deste ano a soja acumula redução de 31,5% no mercado internacional. As altas do petróleo e do aço também tiveram seu papel, ao elevar os custos do agronegócio no Brasil. No caso do petróleo, porque causou aumentos nos preços dos fertilizantes químicos, que ficaram 30% mais caros, e dos fretes. E no do aço porque os equipamentos, implementos agrícolas e máquinas tiveram alta média de 17%.

Em conseqüência, os empresários agrícolas começaram, a partir de setembro, a cancelar ou adiar pedidos de compra de máquinas e equipamentos novos. E isso fica evidente nos dados do Moderfrota, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores. No período julho-setembro, o Moderfrota liberou R$ 598,2 milhões neste ano, ante R$ 750,7 milhões no ano passado. E a Anfavea registrou em setembro deste ano queda de 8,7% na venda de máquinas agrícolas em relação ao mesmo período de 2003. Para o ano, a entidade reviu para baixo a previsão de crescimento, de 5,3% para 1%.

Esses problemas não se refletiram na safra 2004/2005, que deve registrar um recorde de produção de grãos, entre 129 milhões de toneladas e 131 milhões de toneladas, um crescimento de 8,1% a 9,8% em relação à safra anterior 2003/2004, de 119,3 milhões de toneladas, segundo levantamento da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), porém, não são tão otimistas. Da previsão do início do ano de 133 milhões de toneladas, teria havido perda de 13,5 milhões de toneladas por estiagem ou excesso de chuva, resultando em 119,5 milhões de toneladas, portanto abaixo dos 123,6 milhões de toneladas de 2003, nas contas do IBGE.

Já a próxima safra deve ser afetada pela redução dos lucros na atual, o que vem desestimulando os produtores. Assim, em vez de um aumento de 3 milhões de hectares da área plantada, previsto pelo Ministério da Agricultura, o acréscimo deve ser de, no máximo, 1,1 milhão de hectares.

A redução na compra de fertilizantes e agrotóxicos e a compra de máquinas e equipamentos de segunda mão reformados, em vez de novos, deverão afetar negativamente a produção da próxima safra. Como disse o ministro Roberto Rodrigues, isso significa que os produtores estão plantando com baixa tecnologia, o que torna a safra mais vulnerável às adversidades do clima e ao desperdício na hora da colheita.

Com uma safra maior neste ano e preços menores, paralelamente à elevação de custos, há o risco de aumento da inadimplência e do endividamento no campo. Isso pode desestimular ainda mais o produtor, com conseqüências negativas no próximo ano para as exportações de commodities agrícolas e para a estabilidade dos preços internos, provocando aumento da inflação.

Para evitar esse quadro, o governo federal deverá ser flexível o suficiente para prover os recursos necessários à comercialização da safra, de modo a manter o produtor estimulado sem causar turbulências inflacionárias.

Do ponto de vista do comércio exterior, será preciso uma calibragem no câmbio, para que o real não se mantenha valorizado em relação ao dólar, o que reduz a competitividade, no mercado internacional, das commodities brasileiras, que têm sido o motor do crescimento do comércio exterior nos últimos anos. kicker: Com uma safra maior, preços menores e elevação de custos, há o risco de aumento da inadimplência e do endividamento no campo