Título: População amedrontada
Autor: Almir Pazzianotto
Fonte: Gazeta Mercantil, 03/11/2004, Opinião, p. A3

A audácia dos criminosos gera sentimento geral de medo. A morte do empresário José Di Gênova, nas imediações do Aeroporto de Congonhas; do radialista Pedro Luiz Pauliello, em Campinas; da menina Emile, em Rio Grande da Serra, e de Bianca, em Caraguatatuba; assassinatos em série de indigentes, taxistas e aposentados, de policiais em serviço ou contratados como garantia de segurança nos fazem pensar que o governo federal está mais preocupado em deixar indefesa a população do que em adotar medidas de combate à criminalidade.

Seqüestros, assaltos, chacinas e arrastões, que há alguns anos eram esporádicos e deixavam a população perplexa, passaram a integrar o cotidiano, dominado pelo furor criminoso que mata crianças, mulheres, adolescentes, pais e mães de família e pessoas idosas.

A audácia dos criminosos alcança níveis intoleráveis e gera sentimento geral de medo, que impede o cidadão de caminhar tranqüilo pela cidade, dirigir seu automóvel ou tomar ônibus, pois a qualquer momento poderá ser surpreendido por marginais, que lhe encostam o cano do revólver, exigem a carteira, relógio, jóias, cartões bancários e, insatisfeitos, lhe tomam a vida.

Entre as medidas de contenção da violência, a última está consubstanciada na polêmica Lei do Desarmamento.

Legislação sobre a matéria sempre existiu e permitia a propriedade de arma na residência ou o porte individual autorizado em casos excepcionais pelas polícias civis estaduais ou pela Polícia Federal. Aprofundou-se o rigor das normas e se desenvolveu forte campanha coercitiva, destinada a recolher armamento mediante compensação de reduzido valor. O que se vê é a entrega da garrucha, revólver, pistola, cartucheira deixados pelo falecido esposo, pai, cunhado, e que jamais haviam sido utilizados. Não se soube, todavia, de um único criminoso que se desfizesse do seu pesado arsenal para ceder ao comando da lei ou se curvar aos apelos da imprensa.

As raízes da criminalidade são muitas e complexas. Não residem, contudo, na posse de velho revólver, escondido no fundo da gaveta ou guardado no cofre. O perigo se encontra no tráfico de drogas e no comércio clandestino de armas de grosso calibre, contrabandeadas e vendidas à bandidagem.

A violência é condômina do desemprego, das deficiências do sistema educacional, da certeza da impunidade, da ausência de formação profissional, da desagregação familiar, do abandono da infância e da adolescência, do intenso fluxo migratório que retira o homem do seu meio e o desloca para regiões onde enfrentará dificuldades intransponíveis de adaptação.

Políticas assistencialistas, como o Bolsa-Escola ou o Fome Zero, devem ser praticadas em benefício dos necessitados. O combate à violência, porém, somente trará resultados efetivos quando o mercado de trabalho se expandir e satisfizer as necessidades da população desempregada. Como declarou, com sabedoria, o desembargador Marco Antonio Nahun, do Tribunal de Justiça de São Paulo (FSP 8/10), "não basta legislação severa e polícia violenta e forte; o que diminui (a criminalidade) é uma política social em que o pai tenha emprego".

kicker: Seqüestros, assaltos, chacinas e arrastões já fazem parte do cotidiano