Título: A greve branca dos deputados
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Fonte: Correio Braziliense, 06/04/2011, Opinião, p. 16

Não há surpresa nenhuma na disposição das bancadas da Câmara de reduzirem ao mínimo as atividades legislativas, caso o Executivo não atenda com presteza certas reivindicações. Trata-se de espécie de greve branca. No histórico das condutas censuráveis de deputados, imposturas da espécie, de tanto serem repetidas, parecem lhes haver anestesiado a consciência. Agora, entre as causas que despertam a intolerância dos congressistas, figura a questão das verbas previstas em emendas parlamentares ao Orçamento da União.

O que se pretende é a liberação dos recursos lançados na rubrica de restos a pagar e os referentes ao atual exercício financeiro. A estratégia é levar ao ritmo de operação tartaruga a deliberação sobre matérias de interesse do Palácio do Planalto. Em palavras mais claras: colocá-lo contra a parede até que resolva se submeter às exigências. Vai mais longe. A ameaça abarca a irritação dos que, padrinhos de candidatos a cargos no segundo e terceiro escalões da administração, aguardam com impaciência as respostas da presidente Dilma Rousseff.

No recente ajuste fiscal mediante corte de R$ 50,1 bilhões nas despesas do governo, houve redução substancial das receitas destinadas a setores estratégicos. Do impacto contracionista não escaparam nem sequer os programas de saúde pública. Perderam R$ 578 milhões. Alcançou R$ 8,9 bilhões o declínio das disponibilidades consignadas ao Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro), a concessão de subsídios e os planos de subvenções.

A forte desidratação dos encargos governamentais, até mesmo no tocante ao financiamento do seguro-desemprego, constituiu medida irrecusável para bloquear o avanço da inflação e evitar aumentos recorrentes da taxa de juros. Ante conjuntura nada estimulante, o Poder Legislativo não poderia ser dispensado de gastar menos e mostrar-se mais eficaz. Obrigou-se, portanto, a trabalhar em espaços orçamentários mais estreitos.

Os fatos, todavia, mostram o contrário. É o que sucede com o movimento de efeito coativo na Câmara dos Deputados para forçar acessos amplos aos suprimentos das emendas parlamentares e, também, às sobras congeladas do ano passado. Não será possível satisfazer pressões inconsequentes sem condenar ao malogro o esforço em favor da estabilidade nas contas públicas. Anote-se que, em franco desafio ao ajuste, no primeiro trimestre do ano a Câmara ultrapassou em 18% a dotação prevista. O Senado, 11%.

Há razões que desqualificam o comprometimento de rubricas financeiras em aportes aditados ao Orçamento em favor de congressistas. Desde a promulgação do texto constitucional em 1988, as emendas parlamentares se têm constituído em fonte de desvios criminosos de dinheiro público. O sistema, se permanecer imune a alterações profundas, é inconveniente e prejudicial ao país.

O regime de emagrecimento prescrito para os dispêndios da administração só trará equilíbrio às contas públicas se executado nos precisos termos do ajuste fiscal. O Poder Legislativo não se pode isentar de semelhante obrigação, em particular quanto à redução das cifras destinadas às emendas parlamentares.