Título: Desigualdade jurídica internacional
Autor: Arianna Stagni Guimarães
Fonte: Gazeta Mercantil, 03/11/2004, Opinião, p. A3

A própria ONU desrespeita o princípio da igualdade jurídica entre os Estados. Embora o direito de igualdade jurídica no âmbito internacional seja reconhecido a todo ser humano e Estado, conforme consagrado na Carta das Nações Unidas (1945) e outros tratados, a realidade atual demonstra o contrário. Questões de interesse mundial, como a miséria, meio ambiente, educação, tráfico de drogas e o terrorismo, têm sido debatidas amplamente.

Os encontros entre representantes dos Estados são cada vez mais freqüentes e, nesses fóruns, verifica-se uma adesão e uma participação cada vez maiores dos países que se mobilizam na busca de soluções satisfatórias para todos os envolvidos. Entretanto, o grande número de nações compromissados com tais temas nem sempre representa a força necessária para colocar em prática as propostas.

A igualdade jurídica entre os Estados soberanos pressupõe atribuir a todos os participantes o mesmo peso nas decisões. No entanto, notamos que, no panorama internacional, em que pese a teórica "igualdade jurídica", predomina a vontade de alguns poucos países que, cientes de seu poder bélico e econômico, optam por descumprir as recomendações da ONU para fazer ou deixar de fazer algo no plano mundial, em benefício próprio ou de uma elite.

Aliás, a própria ONU desrespeita o princípio da igualdade jurídica entre os Estados, como constatado no seu Conselho de Segurança, órgão responsável por editar resoluções pacificadoras e promover a paz. Ainda hoje, somente os "cinco grandes" (Estados Unidos, Rússia, França, Grã-Bretanha e China) possuem direito de veto no Conselho. Esse privilégio institucionalizado pode levar a abusos e distorções, como, de fato, tem ocorrido de forma freqüente.

O mesmo dá-se em outros campos, como os acordos globais de proteção ao meio ambiente, cuja implementação vai sendo lamentavelmente postergada porque o maior poluidor do planeta, os Estados Unidos, teria, em tese, de reduzir sua atividade econômica. Na verdade, a recusa à assinatura ao Protocolo de Kyoto, exemplo emblemático de desigualdade no direito internacional, prejudica milhões de habitantes, inclusive norte-americanos, sob uma premissa quase artificial. Afinal, os EUA transferiram para nações emergentes parte expressiva de sua atividade industrial e os investimentos necessários na disponível tecnologia de produção limpa, sem reduzir os níveis de atividade econômica, seriam infinitamente menores do que o orçamento de um semestre da ocupação do Iraque.

Nos últimos anos, a agenda brasileira no exterior tem-se ampliado, demonstrando a preocupação de nossos governos em participar ativamente dos temas globais, contribuindo assim para favorecer a imagem nacional. Mas é quase ingenuidade supor que tal atuação seja suficiente para que o País ingresse no seleto grupo dos que de fato respondem pelas decisões mundiais, tendo em vista que sua consolidação internacional depende muito mais da conjugação das necessidades internas com as oportunidades externas do que da vontade política de nossos governantes.

kicker: No panorama internacional predomina a vontade de algunspoucos países