Título: Um peixe grande é devorado por um peixe menor
Autor:
Fonte: Gazeta Mercantil, 03/11/2004, Panorama Setorial, p. A12

As três maiores holdings controlam mais da metade da publicidade mundial. O mundo da publicidade é como uma imensa piscina, onde os peixes grandes engolem outros peixes, e onde, de vez em quando, um peixe minúsculo devora impiedosamente um animal gigante. Antes de concluir a digestão, saem à procura de novas presas para, com freqüência, serem eles mesmos engolidos.

A publicidade é um dos setores mais concentrados do mundo dos negócios e um dos mais ativos em fusões e aquisições. Em 1997, o GGT Group, britânico, previa que na entrada do milênio sobreviveriam apenas cinco grandes grupos mundiais - e que o GGT seria um deles. Alguns meses, tinha sido absorvido pelo Omnicom Group. Da mesma maneira, perderam a independência os grupos norte-americanos True North, que em 1996 tinha sido o sexto maior do mundo, e Leo Burnett, o décimo maior.

No ano 2000, as três maiores holdings - Omnicom, Interpublic e WPP - controlavam 42,1% dos US$ 40 bilhões gastos exclusivamente com publicidade - apenas criação e mídia, excluindo serviços de marketing e healthcare, segundo a Advertising Age. Três anos depois, de acordo com o banco de investimentos Sanford Bernstein, esses mesmos três grupos detinham 48,8% de um mercado de US$ 46,6 bilhões, e os seis maiores 67,4%.

No começo de 2002, havia dez grandes holdings mundiais de publicidade, duas delas japonesas. Das ocidentais, quatro eram consideradas "independentes". Uma, a Bcom3, foi comprada pela Publicis neste mesmo ano. Outra, a Cordiant, foi incorporada pelo WPP Group em 2003. Em 2004, o mesmo WPP comprou o Grey Global Group. A última holding "independente" é a francesa Havas e os rumores do mercado indicam que ela, também, poderá ser vendida. Um candidato, como sempre, seria o WPP. Outro, o grupo Publicis.

Quando o tamanho é documento

A razão básica dessa voracidade é econômica: o tamanho é importante e faz diferença. A globalização faz com que as empresas multinacionais procurem grupos, também multinacionais, que lhe ofereçam uma série de serviços de marketing, incluindo publicidade, nos países em que operam. Elas preferem encomendar de poucos fornecedores os serviços que antes estavam dispersos entre várias agências. As holdings, para atender a essa demanda, passaram a comprar empresas nas diversas áreas do marketing e da comunicação.

Além disso, para poder atender a empresas que competem no mesmo setor, as holdings montaram várias redes internacionais de agências de publicidade, com grande autonomia operacional, que chegam a competir entre si.

O começo de todo o processoO ano de 1961 é considerado tradicionalmente como o ponto de partida dessa transformação das agências de publicidade em megagrupos. No dia 1 de janeiro daquele ano, começou a funcionar o Interpublic Group, nos Estados Unidos. Era uma holding criada por Marion Harper Jr., presidente da McCann-Erickson, que decidiu montar um grupo com diversas agências que operassem com autonomia. Dessa maneira, poderia eliminar o problema do "conflito de contas", que impede a uma mesma agência, por questões éticas, atender a duas empresas concorrentes.

The Interpublic Group of Companies tinha vinte agências embaixo de seu guarda-chuva. Usavam os mesmos serviços centrais e participavam da mesma estrutura financeira, mas tinham autonomia operacional. Posteriormente, o grupo montou duas redes mundiais de agências. Uma em torno da McCann-Erickson, com sede em Nova York, outra, a Quadrant em Londres. As duas redes chegaram a disputar os mesmos clientes. Este modelo foi seguido por outras grandes agências.

Quem paga é a agência comprada

A Saatchi & Saatchi, na primeira etapa de sua trajetória, fez várias inovações neste modelo. Desenvolveu um sistema para projetar o fluxo de caixa das agências. Tão preciso se tornou esse controle que, em 1987, para um movimento de 9 bilhões de libras, o desvio observado foi de apenas meio por cento. Além disso, introduziu um sistema para comprar, integrar e financiar a aquisição de empresas.

Seus procedimentos foram observados e copiados pela concorrência. Quando comprava uma agência, pagava inicialmente apenas uma parte do preço. O restante era jogado para o futuro, de acordo com a rentabilidade da empresa adquirida. Significava isso, na verdade, que o pagamento era feito com os recursos gerados pelos próprios negócios comprados. É o modelo seguido hoje pelo mercado.

O conceito e as operações das holdings mudaram com o tempo. Em 1988, pouco depois de comprar a J Walter Thompson, o presidente do WPP, Martin Sorrell, enfatizava a autonomia das agências dentro da holding. "O WPP é uma marca financeira, não uma marca de marketing", disse ele à revista BusinessWeek. "Não precisamos pôr o nome WPP em todas as empresas que compramos."

A holding se

transforma em marca

Hoje, ele pensa de maneira diferente. Lamenta que, se suas empresas tiverem uma forte identidade individual, não poderão ser absorvidas numa única entidade, que preste todos os serviços de marketing ao cliente, com a marca WPP. Seu objetivo é, precisamente, dar prioridade à marca global do grupo: WPP. Como comentou um antigo presidente do conselho de administração da Young & Rubicam, as holdings ficaram preocupadas em vender, não apenas os seus serviços, como também a própria marca - a agência mundial da Ford é a WPP (Thompson). A da General Motors é a Interpublic (McCann).

A Pepsi Cola contratou em 2001 não uma agência, mas uma holding, a Omnicom. Transferiu para ela o trabalho que estava sendo feito pela FCB, do grupo Interpublic. A PepsiCo afirmou que obteria ganhos significativos concentrando o serviço de publicidade. Como já foi observado, o peixe minúsculo pode ser muito mais voraz que o grande. Em 1982, o WPP fabricava carrinhos de supermercado e faturava US$ 2 milhões. Em 1986, o WPP, que faturava US$ 38 milhões, comprava a J W Thompson, com receita de US$ 649 milhões. Anos mais tarde, engoliria a Ogilvy, Young & Rubicam, Cordiant e Grey. Hoje, é a segunda maior do mundo. "Sir" Martin Sorrell, o homem do WPP, não é publicitário, é contador.