Título: Cobra ocupa filão de R$ 1,5 bi
Autor: Vicente Vilardaga e Ana Carolina Saito
Fonte: Gazeta Mercantil, 03/11/2004, Tecnologia da Informação, p. TI-1

Aumenta presença do governo no mercado de tecnologia da informação. O avanço da Cobra Tecnologia sobre os negócios de integração de sistemas gerados por bancos e empresas estatais e prefeituras (por enquanto, duas controladas pelo PT) já levou para o governo federal - o controle do capital da Cobra está nas mãos do Banco do Brasil - uma receita anual de cerca de R$ 300 milhões. Esse bolo de contratos que a Cobra pode abocanhar, porém, pode aumentar bastante, nos cálculos de um dos fornecedores privados de consultoria e serviços de tecnologia mais atuantes no mercado governamental, a norte-americana Unisys. "Pode chegar a R$ 1,5 bilhão", afirma Marcos Peano, diretor de Setor Público da empresa.

A maior preocupação dos fornecedores privados, hoje, é que, além de funcionar como uma intermediária nos novos contratos (com a condição de estatal, a Cobra conquista o serviço sem licitação e o redistribui para os fornecedores no mercado), a empresa comece a prestá-lo diretamente. A Cobra já começou a reforçar sua parte comercial com novos funcionários e existe a expectativa de que a área de desenvolvimento comece a ser a aditivada. Seus movimentos indicam uma intenção de ocupar uma camada de negócios hoje distribuída no mercado. Serviços na Petrobras e nos Correios estão entre seus alvos. Mas o tamanho da voracidade da empresa ainda não está bem-dimensionado; não se sabe o quinhão que ela ambiciona deste mercado de R$ 1,5 bilhão.

As empresas mais afetadas pela estratégia da Cobra são as grandes integradoras de sistemas, como a própria Unisys, a IBM, as Polis (Poliedro, Policentro e Politec), e a TBA (do grupo indiano Tata), representante da Microsoft, mas pequenas e médias empresas também temem perder espaço. Os contratos já conquistados pela Cobra - Prefeitura de Jacareí, Prefeitura de São Paulo, BNB e Dataprev - somam mais ou menos R$ 300 milhões.

As três entidades que representam empresas privadas de tecnologia e serviços nas áreas de hardware e software - Fenainfo, Assespro e Softex - se reúnem hoje (3/11) com a direção da Cobra para tentar um acordo que ponha fim à guerra declarada entre elas. Essa disputa, que já dura mais de um ano, tem sido encarada pelas empresas privadas como uma "onda de estatização" promovida pelo governo federal por meio da Cobra, que retornou ao mercado após anos de ostracismo, pelas mãos do governo Lula.

Desde o início do governo Lula, a Assespro e a Fenainfo vêm tentando fechar um acordo para evitar que a estatal atue de forma predatória no mercado, sobretudo em cima de pequenas e médias empresas nacionais. Mas a Cobra ignorou qualquer acordo e partiu para uma postura agressiva, valendo-se da condição de ser uma empresa pública, oferecendo preços mais baixos em serviços prestados para depois subcontratar quem pudesse realizá-los.

As entidades entendem que a Cobra chegou longe demais. E questionam se todo esse movimento da empresa não esconderia por trás o interesse do próprio governo de estatizar diversas atividades na área de TI, hoje ainda concentradas nas mãos de empresas privadas que prestam serviços no setor público federal, estadual e municipal. "Ninguém atua dessa forma impunemente. Se, mesmo assim, insiste nessa política, só pode estar caminhando por ter o amparo da cúpula do governo", disse um empresário, que pediu para não ser identificado.Na última terça-feira, o presidente da Fenainfo, Maurício Mugnaini, aproveitou uma reunião no Palácio do Planalto para discussão do software livre e entregou ao Chefe da Casa Civil, José Dirceu, um documento com críticas à atuação da Cobra no mercado. "A Cobra, como empresa controlada pelo Banco do Brasil, não é ente que se reveste de excepcionalidades permissivas da dispensa ou inexigência de licitação. Não desenvolve ou presta serviços técnicos de informática que a singularizem no mercado, competindo com inúmeras outras empresas aptas a realizar serviços assemelhados", diz o presidente da Fenainfo em carta entregue ao ministro Dirceu.

Para por mais lenha na fogueira, a Assespro já respondeu ao questionamento feito pelo Ministério Público de São Paulo sobre as atividades da Cobra em um contrato que assinou, com dispensa de licitação (por notória especialização), com a prefeitura de Jacareí e não poupou críticas em relação ao negócio. No dia 29 de setembro, o MP paulista enviou para a Assespro e a Fenainfo um ofício, no qual pedia que as entidades respondessem "quanto a existência de empresas capazes de realizar com aptidão as atividades que estão sendo desenvolvidas pela empresa Cobra", em Jacareí.

Num documento de 10 páginas, a Assespro mostrou que, para cada item de serviço previsto no contrato da Cobra com a prefeitura, existem várias empresas no Brasil capazes de realizar a mesma tarefa. "Somente na Assespro de Minas Gerais verificamos a existência de 70 empresas habilitadas ao licenciamento de software de gestão, 86 empresas habilitadas aos serviços de desenvolvimento, 31 empresas aptas aos serviços de instalações, 36 empresas aptas aos serviços de manutenção, 36 empresas aptas a prestar serviços de treinamento (...), nas especificações do contrato", destacou a entidade no documento encaminhado ao MP.