Título: PC Conectado vai canibalizar mercado ilegal
Autor: Vicente Vilardaga e Ana Carolina Saito
Fonte: Gazeta Mercantil, 03/11/2004, Tecnologia da Informação, p. TI-1

Presidência da República garante R$ 200 milhões por ano para reduzir os custos da indústria e alavancar o programa. O governo federal dispõe de R$ 200 milhões por ano para apoiar o programa PC Conectado, que visa levar computadores pessoais com acesso à internet para a casa das classes C e D e está em gestação na Presidência da República. Cezar Alvarez, assessor especial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva hoje dedicado à coordenar essa iniciativa de inclusão digital, garante os recursos e diz que eles podem alavancar a venda de um milhão de PCs por ano - R$ 200 por unidade. "Com subsídio, crédito e a garantia de estabilidade do governo, o potencial do programa, que vai a cinco milhões de unidades em três anos, não deve ser subestimado", afirma Alvarez.

O público primário do PC Conectado, as classes C e D, inclui cerca de 18,5 milhões de domicílios, com renda superior a três salários mínimos. Mas o número de domicílios com telefone e interesse declarado por um computador pessoal chega a 12 milhões. É para essa massa digitalmente excluída que o governo olha com seu programa. Com um PC vendido a R$ 1,2 mil e financiado em até 24 meses, como quer o governo, espera-se que novos consumidores entrem no mercado e façam crescer o volume atual de venda de computadores domésticos, que deve ficar próximo dos 3,9 milhões de unidades em 2004.

Haverá, porém, alguma canibalização do mercado existente. E isso, de certa forma, está entre as metas do governo. Além de garantir um produto de baixo custo, distribui-lo nacionalmente e financiá-lo em condições atraentes, os promotores do programa querem que as máquinas com o selo PC Conectado ocupem espaço do chamado mercado "cinza", que representa 74% das vendas no Brasil e se caracteriza pela ilegalidade: alto índice de peças contrabandeadas na sua montagem, sonegação de impostos e pirataria de softwares . "Vamos ganhar do cinza na importação, no suporte, no crédito e no preço", diz Alvarez.

Cinco grupos de trabalho foram criados - software, hardware, conectividade, mercado e financiamento - para dar respostas específicas para os vários problemas que envolvem a produção, distribuição e gerenciamento financeiro da venda em massa de computadores de baixo custo. O problema do software no PC Conectado, que será resolvido com soluções de código aberto (sistema operacional Linux e aplicações Open Office), ficou nas mãos do Instituto de Tecnologia da Informação (ITI). O hardware foi para o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, que analisa os custos e as oportunidades de cada componente. A conectividade é assunto do Ministério das Comunicações. As questões tributárias e de financiamento foram para o Ministério da Fazenda. E a análise de mercado, para se verificar o potencial de demanda, foi para a Trevisan & Associados, única empresa privada envolvida com a elaboração do programa. Na quarta-feira passada, Alvarez recebeu os relatórios finais dos cinco grupos de trabalho envolvidos com o PC Conectado.

"O PC Conectado contempla soluções de mercado e busca o apoio da indústria", afirma Christopher Street, consultor da Trevisan, que desenvolveu seu estudo em conjunto com o Instituto Brasileiro de Convergência Digital (IBCD). No trabalho entregue ao governo, foram analisadas algumas experiências de venda de PC de baixo custo em larga escala em países emergentes, em particular da Ásia. Verificou-se que a falta de previsão de demanda para mais ou para menos foi a principal causa do fracasso ou do surgimento de falhas em programas similares. Mesmo o mais bem-sucedido deles, o da Coréia do Sul, que motivou vendas de dois milhões de PCs em um ano, enfrentou dificuldades de abastecimento por causa da falta de um componente.

A entrada de PCs com conexão à internet na vida das famílias de baixa renda é um movimento incisivo de inclusão digital. Não se trata simplesmente de adicionar mais um equipamento doméstico nos lares do País, mas de criar um canal de consumo de serviços, capacitação profissional e de criação de empregos. É uma iniciativa de grande impacto econômico. Mas para levá-la adiante, o governo precisará ser convincente na oferta de incentivos para os fabricantes de componentes e integradores nacionais e multinacionais que se encarregarão da produção e distribuição dos PCs.

O preço indicado para o PC popular, um dos grandes atrativos do programa, é justamente um dos pontos criticados pelas empresas do setor, representadas pela Associação Brasileira Elétrica e Eletrônica (Abinee). O governo propõe um preço de R$ 1,2 mil. O setor argumenta que esse valor não cobriria os custos para a produção da máquina. "Já vivemos essa situação antes (com programas de governo anteriores). Parece que a indústria está sendo chamada para fazer mágica. O preço não cobre o custo", diz Antônio Valério, executivo da HP Brasil e diretor da área de informática da Abinee. "Não foi a esse número que chegamos", diz Valério. A pesquisa sobre o mercado ilegal de PCs, realizada pela IDC Brasil para a Abinee, foi divulgada na semana passada. Segundo estimativas das empresas do setor, o preço do computador varia entre R$ 1.560,00 e R$ 1.760,00. "Não abrimos mão de qualidade, robustez e assistência técnica", afirma Cristina Palmaka, vice-presidente da área de sistemas pessoais da HP.

O estudo da IDC mostra que os custos dos fabricantes oficiais somente para a aquisição de componentes para montagem de um desktop, com configuração média, somam R$ 1.105,70. Os chamados "cloneiros", empresas e pessoas físicas que comentem algum tipo de irregularidade, gastam R$ 816,00, o que representa uma diferença de 22%. Os R$ 200 por unidade que o governo pretende aliviar dos custos dos PCs tornarão os produtos legais de marca bastante competitivos em relação às máquinas cinza.

O mercado cinza dificulta a participação das empresas oficiais em programas de inclusão, como o PC Conectado, segundo o presidente da Abinee, Ruy de Salles Cunha. O Brasil deve encerrar 2004 como o campeão mundial de PCs ilegais. A participação das cinco principais fabricantes de PCs no Brasil é de 15,2%. A diferença de preços entre o computador produzido por essas empresas e o equipamento ilegal chega a 41%. Segundo o estudo, um PC, com configuração média, custa R$ 1.828,77 no mercado cinza, que na maior parte dos casos utiliza sistema operacional pirata. No caso das fabricantes legais, a máquina sai por R$ 3.080,85, incluindo a plataforma e a carga tributária de 30%. Estas empresas chegaram a ter margens de lucro de 32%. Hoje, o percentual está entre 5% e 7%, segundo o gerente de pesquisas de TI e Telecom da IDC, Ivair Rodrigues.