Título: Pragmatismo no negócio de software
Autor: Silvio Lemos Meira
Fonte: Gazeta Mercantil, 03/11/2004, Tecnologia da Informação, p. TI-2
Um esforço consistente desde 1992 trouxe a produção de software no Brasil para uma posição interessante e muito relevante. A produção de software foi incorporada como um dos principais segmentos da nova política industrial do País.
É importante perceber que o esforço inicial, constante e crescente até o final de 2002, se deu dentro de uma política de Ciência e Tecnologia, e foi responsável pela criação dos recursos humanos necessários para fazer frente à tarefa de produzir conhecimento em software, seguido da geração, por todo o País, de milhares de pequenas empresas oriundas de incubadoras e outras mais, oriundas das próprias incubadas, num processo de contaminação saudável do sucesso.
Diversos outros fatores contribuíram para este sucesso, mas não são o foco deste artigo. Foi o estudo, contratado ao Massachusetts Institute of Technology (MIT), que comparava a produção de software no Brasil, China e Índia, publicado em setembro de 2003 e cujos resultados já eram de conhecimento do governo desde o fim de 2002, que trouxe a percepção de que o setor havia alcançado a maturidade produtiva e que era necessário passar a tratá-lo sob uma ótica de política de indústria e comércio.
A perfeita compreensão do significado desta migração, a meu ver, ainda não atingiu integralmente nem o governo, nem o setor produtivo, gerando desconforto em ambos. As partes precisam perceber que há todo um novo universo comportamental e de demandas, provenientes da mudança de origem de políticas: da anterior de C&T, com viés acadêmico e protetor, para esta de Indústria e Comércio, pragmática e exigente de resultados econômicos concretos.
Os resultados do MIT mostraram que o Brasil tem peculiaridades na produção de software que precisam ser percebidas e aproveitadas. A capacidade de gerar soluções em software nos diferencia dos concorrentes, mas nossa pequena capacidade econômica não tem permitido exportar produtos acabados de maneira significativa. Não só pela dificuldade gerada pelo custo do atendimento personalizado no mercado mundial, exigido pelo setor, mas também pela ainda modesta percepção do Brasil como um produtor de software.
O estudo abre outras oportunidades, que apenas começam a ser exploradas pelo Brasil e que nos colocam na mesma arena competindo com Índia e China, mas com o diferencial de já atendermos a um mercado interno relevante em termos de soluções, que nos permite oferecer serviços com maior valor agregado do que nossos concorrentes. Esta vantagem, no entanto, vai durar pouco tempo. Aproveitar a oportunidade de oferecer serviços nesta janela, que muitos analistas vêem como se fechando já em 2006, pelo avanço da própria China, pode trazer não apenas o reconhecimento mundial do País como um produtor de software, como atrair enormes recursos externos que mudem o perfil econômico de nossas empresas, permitindo sua expansão para o sonhado atendimento personalizado nos diversos mercados mundiais.
Aproveitar esta janela exige consolidar rapidamente a migração de políticas, ação que precisa ser concatenada tanto pelos agentes públicos como pelos privados para que cada um possa, adequadamente, cumprir seu papel.
Como todo setor em estágio de maturidade produtiva, caberá à estrutura de governo dividir suas atribuições para que haja coerência de políticas que enfoquem toda a cadeia produtiva. No caso do software, nossos insumos são recursos humanos, e o aumento de oferta qualificada se dará pela inclusão do contingente do ensino médio, incluindo-se aí o ensino efetivo de inglês como língua universal.
Da parte do setor produtivo, além do rearranjo obrigatório de sua representatividade empresarial neste novo papel, há a necessidade de fortalecimento econômico das empresas, o que a organização de pequenos consórcios exportadores apenas timidamente toca, associada à percepção clara da existência de parceiros internacionais atuando localmente e que podem ser nossos abre-alas em seus países de origem.
A política de Indústria e Comércio Exterior tornou público o novo patamar de maturidade do setor de software no Brasil. Para que o setor e a própria política tenham sucesso, é preciso que todos compreendamos as mudanças exigidas por esta migração de políticas e que consigamos executá-las com presteza e foco. Se formos bem sucedidos, o Brasil, antes do final da década, estará entre os três principais produtores de software do mundo.