Título: "Informaticidade", um novo service
Autor: Silvio Lemos Meira
Fonte: Gazeta Mercantil, 03/11/2004, Tecnologia da Informação, p. TI-2
Todo dia, um pedaço do mundo desaparece e um outro, até maior, toma seu lugar. Do que não some, muito é modificado de forma tão radical que se torna irreconhecível. No mundo dos negócios, grandes mudanças vêm sendo causadas por avanços das tecnologias da informação e comunicação e por suas aplicações nas corporações e, pela via da informatização de clientes e fornecedores, em todas as redes de valor dos mais diversos mercados.
De tempos em tempos, algumas mudanças sistêmicas tomam conta do ambiente e, ao mesmo tempo em que criam novos mercados, destróem outros, de repente tornados obsoletos ou desnecessários. Empresas são criadas para atender demandas antes impensadas enquanto outras, até então bem estabelecidas, somem sem deixar rastro. A internet é uma mudança de tal tipo, mas ainda vamos precisar de muito tempo até que sua infra-estrutura e serviços se torne pervasiva (estando em todo lugar) e ubíqüa (presente o tempo todo).
Sem isso, seus efeitos, que agora começam a ser percebidos em maior escala, podem acabar ficando restritos aos grupos de aquinhoados de sempre.
O processo clássico de disseminação de inovação, na sociedade, quase sempre dos que têm mais para os que têm muito menos, separando ainda mais os primeiros dos últimos, poderia ser revertido sempre que as inovações fossem radicais como a internet, se pelo menos alguns dos atores se comportassem, em larga escala, de forma mais inteligente. Via de regra, as grandes empresas partem na frente, logo que vêem os ganhos de escala - e reduções de custos, ou novas possibilidades de negócios - que a inovação pode vir a proporcionar.
Os governos vêm em seguida, principalmente se a inovação propiciar um aumento de eficiência ou eficácia da fúria arrecadatória. Muito depois, vêm as pequenas e médias empresas, a educação, saúde e algum dia, os cidadãos.
Mas o cidadão conectado, que parece ser deixado de lado, na prática, enquanto se discute planos mirabolantes para informatizá-lo, é um pressuposto fundamental para o funcionamento dos mercados modernos, dos governos e de seu provimento de serviços e, também, dos processos educacionais e culturais do mundo em rede em que passamos a viver. O cidadão é o cliente, é quem consome, reclama e precisa ser servido. Tem que ser ela, a cidadã desconectada, e as conexões que deveria ter, o alvo de todos os que já estão conectados.
Mas este problema, em países como o Brasil, onde a distribuição de renda é desequilibrada, só pode ser resolvido se for equacionado de forma inovadora. Vender computadores para quem não ganha o suficiente para suprir necessidades rasteiras, como alimentação, não parece ser um plano de negócios fadado ao sucesso. Aliás, tem pouca chance de funcionar até mesmo nas pequenas empresas, que não precisam de informática, mas de serviços de informação. É paradoxal que, na era dos serviços, muitos ainda entendam que informática é um bem e software é um produto. Não são, nunca foram.
Precisamos pensar em um serviço inovador, que vem depois da internet, que poderia ser batizado de "informaticidade", à imagem da eletricidade. Ninguém sabe, nem precisa saber, o que está por trás da tomada onde se liga a geladeira. Da mesma forma, com "tomadas" mais sofisticadas, pode-se criar informaticidade que qualquer um, que queira usar só R$1 dela, por mês, possa usar. Tem que poder ser pré-paga. Tem que ser serviço e ser simples.
O usuário não tem que saber meandros da instalação de sistema operacional nem de nada mais, porque o que lhe interessa não é o hardware ou o software, mas o serviço prestado, como enviar e receber e-mail. Tem que ter infra-estrutura pública, disseminada em órgãos públicos de todos os tipos, e pode e deve ser, também, um negócio privado, onde se entra-paga-usa-sai.
E isso não vale só para indivíduos, claro. As empresas vão acabar entendendo que informática é meio e não fim e o que interessa é quanto se ganha de produtividade, qualidade e competitividade como resultado do uso racional dos serviços que estão por trás da tomada da informaticidade. Olhar para o problema de universalização de acesso como o de provimento de um serviço, ao invés de construção de uma infra-estrutura complexa, pode ganhar uma década para as empresas e a cidadania brasileira. E deveria ser para já, pois perdemos uns dez anos, até agora, sem conseguir fazer de nenhuma outra forma.