Título: Estamos mal mas seguimos bem
Autor: Humberto Barbato
Fonte: Gazeta Mercantil, 04/11/2004, Opinião, p. A3
Há alguns dias a imprensa noticiou a queda do Brasil da 9 posição em 2003 para a 17 em 2004 no ranking da preferência dos investidores estrangeiros. As razões apontadas são bastante conhecidas e tornou-se praxe destacar a falta dos "marcos regulatórios" como principal fator de limitação na atração de investimentos.
Considerando-se a severa e conservadora disciplina utilizada na condução de nossa economia, a melhoria das condições macroeconômicas, o árduo trabalho de ministros e do próprio presidente Lula no exterior objetivando apresentar uma boa imagem do Brasil, tal notícia a princípio foi no mínimo surpreendente.
No dia seguinte foi a vez de o Fórum Econômico Mundial apontar a queda brasileira no ranking global de competitividade, justificada em face das nossas condições macroeconômicas que, embora melhores que no passado, não evitaram o mau resultado, pois o Fórum não avalia a melhoria ocorrida no desempenho histórico e sim faz análise horizontal. É como se registrássemos que o mesmo paciente segue no hospital - se há um mês ele estava na UTI e hoje caminha nos corredores, não importa; o fato é que ainda está hospitalizado.
Acredito ser o empresário o investidor que melhor sabe avaliar a competitividade das economias e a viabilidade do investimento. Está em seu DNA a percepção do bom negócio, a viabilidade de produzir-se um produto de maneira vantajosa e com rentabilidade, baseado nas condições naturalmente existentes no país ou orquestradas pelo governo em sua tarefa de estimular o desenvolvimento.
No caso brasileiro o empresário também não deve abandonar sua "bola de cristal", já que após dois anos de mandato a seqüência de ações pouco coordenadas ainda é uma constante. Enquanto se faz um esforço exportador sem precedentes, simultaneamente se pratica uma política cambial suicida, que permite a apreciação do real de forma irresponsável, desconsiderando-se a importante elevação de custos industriais ocorrida e motivada entre outras razões pelo próprio crescimento chinês - a mesma China, todavia, mantém sua moeda desvalorizada, aumentando sucessivamente seu superávit comercial.
Ao completarmos 50 anos da fundação da Petrobras, diversos historiadores deixam claro como a sociedade brasileira à época entendia ser absolutamente estratégico, para o futuro e independência do Brasil, a prospecção de petróleo.
Nos dias atuais, quando leio críticas à Petrobras por não repassar aos preços dos combustíveis os especulativos aumentos do petróleo, fico a pensar que provavelmente existam muitos masoquistas no Brasil; afinal, o aumento de preços dos combustíveis desencadeia um processo de realinhamento de preços em toda a economia, que termina por colocar os índices de inflação acima das metas estabelecidas, o que fatalmente gerará a já conhecida decisão do Copom de elevar a taxa Selic, que desaquece a economia e detona qualquer possibilidade de crescimento.
É difícil entender a sensatez de muitos que opinam que a Petrobras deva atualizar preços segundo parâmetros internacionais, visando, entre outras razões, manter a remuneração de seus acionistas, esquecendo-se dos efeitos deletérios de tal atitude, sem considerar se o lucro atual é ou não satisfatório. Aparentemente apenas o empresário particular deve ter o lucro contingenciado e correr riscos - o mesmo não é válido para as empresas públicas ou de serviços públicos.
Mesmo sendo guardado em segredo, comenta-se que o custo de exploração do barril de petróleo no Brasil está abaixo dos US$ 10,00. Se os derivados estão sendo comercializados com base em um preço do barril de US$ 35,00, será necessário majorar preços e estabelecê-los com base nos estratosféricos níveis atuais?
Se os preços dos combustíveis forem majorados, estaremos importando instabilidade externa, perdendo competitividade, sufocando o pífio crescimento econômico e não usando importante fator para atração de investimento externo.
Caso os brasileiros que no passado defenderam a criação da Petrobras para a necessária exploração do petróleo estivessem vivos, diriam que não entendemos o que são razões estratégicas e que estamos divorciados da realidade da globalização, pois, se não usamos as vantagens comparativas de que dispomos, como poderemos ser competitivos e atrair o capital produtivo internacional?
Devemos preservar a lucratividade da Petrobras, mas, quando estamos próximos de atingir a auto-suficiência na produção de petróleo, não utilizar tal fator como alavancagem para o aumento da competitividade nacional é estar na contramão, é forçar as empresas a usarem uma velha ferramenta de diminuição de custos, ou seja, a redução da mão-de-obra, quando vivemos em um país com uma assustadora quantidade da população economicamente ativa (PEA) desocupada, no subemprego ou na informalidade. Dessa forma, não poderemos tampouco dizer a máxima "Estamos mal mas seguimos bem".
kicker: A seqüência de ações pouco coordenadas ainda é uma constanteno governo