Título: Negociações bilaterais põem em risco vantagens tarifárias
Autor: Cristina Borges Guimarães
Fonte: Gazeta Mercantil, 04/11/2004, Nacional, p. A5
Há indícios de desvio comercial em produtos como aço e suco de laranja. A estratégia norte-americana de negociar bilateralmente com a América Latina, que deverá ser mantida com a reeleição do presidente George W. Bush, exige que o Brasil aprofunde os acordos comerciais, principalmente com países da região. Caso isto não ocorra, há risco de perda de preferências comerciais em países que firmaram acordos com os Estados Unidos, como Chile e México. Esta é uma das principais conclusões do estudo "A Erosão das Preferências Comerciais Brasileiras na América Latina" divulgado ontem na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
O trabalho ¿ uma parceria entre Fiesp, Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone) e Rubens Barbosa & Associados ¿ considera os 70 produtos mais exportados pelo Brasil para Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, México, Peru e Venezuela, e considera a média do fluxo comercial de 2001 a 2003 e tarifas de 2002.
Depois do Nafta, zona de livre comércio entre EUA, Canadá e México, há indícios de desvio comercial em produtos como aço, suco de laranja, calçados e têxtil, segundo o presidente do Icone, Marcos Jank. O desvio ocorre quando um produtor, mais eficiente, perde mercado em função, por exemplo, de preferências, ou seja tarifas mais baixas. Bens como óleo de soja e açúcar foram apontados por ele como exemplos de erosão de preferências ¿ perda de benefícios tarifários.
De acordo com Jank, quanto maior for a margem de preferência, maior o risco de erosão imposto por acordos com terceiros. "Precisamos aprofundar as margens de preferência, principalmente, no âmbito da Aladi (Associação de Integração Latino Americana)", disse o diretor do Conselho Superior de Relações Exteriores da Fiesp e presidente da Rubens Barbosa & Associados, o ex-embaixador do Brasil nos EUA, Rubens Barbosa, observando que o Chile, país membro associado do Mercosul, ofereceu concessões mais favoráveis aos EUA que ao Brasil.
O Nafta também já retirou parte das preferências de que o Brasil gozava com o México. E no acordo Chile-EUA, a margem média de preferência concedida aos EUA é de 96,3%, superior aos 68,5% obtidos pelo Brasil junto a Aladi. A margem média ponderada de preferência obtida pelo Brasil nos sete países da Aladi considerados no estudo foi calculada em 54%. Isoladamente, a preferência é mais alta no México (72%) e no Chile (68%).
As negociações estabelecidas há dez anos entre EUA e o México e as fechadas no ano passado com o Chile são os focos do estudo. Segundo Jank, os acordos dos EUA são mais profundos. Os impactos nas exportações em regime preferencial tendem a ser mais intensos quando preferências mais profundas são concedidas a países mais competitivos.
"Qualquer perda de comércio exterior na América Latina afetará diretamente a indústria", disse Barbosa. Cerca de 70% das exportações brasileiras de manufaturados está orientada para o mercado americano, e que por isso deve ser o foco do país, segundo Barbosa. De acordo com ele, apesar das exportações brasileiras para o Chile e para o México terem crescido nos últimos anos ¿ 110%, de US$ 1,25 bilhão para US$ 1,88 bilhão e 157%, de US$ 1,71 bilhão para US$ 2,74 bilhões, respectivamente segundo dados da Secex referentes ao período de 2000 a 2003 ¿, a taxa de expansão poderia ter sido ainda maior se as negociações brasileiras com estes países tivesse sido mais profundas.
"Além disso, mais de 50% das exportações brasileiras para o México são automóveis. Não há desvios porque trata-se de um acordo entre empresas do setor", disse Barbosa completando que no caso do Chile as preferências eram razoáveis, mas agora isso tende a mudar gerando desvios. "É preciso acompanhar para ver se é confirmado o impacto negativo em função desta perda de preferências."
Jank ressalta que, segundo a Organização Mundial de Comércio (OMC), existem atualmente mais de 300 acordos bilaterais de livre comércio no mundo. "O Brasil precisa entrar neste jogo para atrair investimentos. Nem o Mercosul se consolidou como uma área de livre comércio, enquanto no México já existem 31 acordos e no Chile sete."
Se a tendência verificada depois do acordo dos EUA com o México se repetir o Brasil sofrerá impactos negativos da perda de preferências. "Estamos perdendo competitividade no mercado chileno. Na retomada das negociações da Alca (Área de Livre Comércio nas Américas) devemos buscar um acordo equilibrado e eqüitativo para preservar nossos interesses", disse Barbosa.
Com base no estudo, o surgimento de diversas frentes de acordos recíprocos dos EUA, Canadá, União Européia e Japão com países latino-americanos deveria servir de alerta para que o Brasil buscasse ampliar e consolidar as preferências de que goza na região para proteger seu mercado. "Os acordos da Aladi são a base do comércio regional e por isso são muito importantes. Se a Alca for mais profunda que a Aladi, os acordos negociados no âmbito dela serão superados", disse Barbosa.