Título: Lingerie faz incursão na cosmética
Autor: Fabiana Gitsio
Fonte: Gazeta Mercantil, 04/11/2004, Mídia & Marketing, p. A16

Grandes marcas de roupa íntima feminina criam linhas de perfume e cremes para agregar valor. Os principais players do setor de lingerie se aproximam do mundo dos cosméticos, com linhas próprias de perfumes, maquiagem e produtos faciais e corporais. O negócio já corresponde a 8% do faturamento da pioneira no sistema, a DeMillus, acaba de fisgar a Marcyn e contará, em breve, com a adesão da Duloren, esta última conhecida por sua publicidade irreverente e apimentada.

Nessa relação de intimidade, as empresas de lingerie encontraram ótima oportunidade de aumentar o faturamento, ao mesmo tempo em que otimizaram seus canais de distribuição, tanto no caso das lojas como nos catálogos de venda porta-a-porta ¿ meio, aliás, do qual os fabricantes também se apropriaram para vender calcinhas e sutiãs. A aproximação com produtos de beleza é irreversível e promissora, aponta a consultora Renata Ashcar, da consultoria Cosmetics. "Quem entrou, obteve sucesso. Muitas outras devem aderir mais para a frente", afirma Renata.

Trata-se do encontro de setores de desempenhos completamente diversos. O de cosméticos movimentou R$ 11 bilhões em 2003 - os dados são da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec). O segmento de lingerie, por sua vez, alvejadíssimo pela enormidade do mercado informal, chegou aos R$ 3,5 bilhões dos R$ 23 bilhões da cadeia têxtil no ano passado.

A carioca DeMillus é a maior fabricante brasileira e detém 20% do mercado de sutiãs e 5% do de calcinhas. Com perfil nitidamente popular, a empresa reserva 70% de suas vendas ao canal porta-a-porta (25% vão a lojas e 5% às exportações). A cada dois meses, são colocados na rua 1 milhão de catálogos, instrumento de comercialização para uma rede de 75 mil revendedoras, espalhadas por todo o Brasil.

Quando começou a agregar os cosméticos em 1998, quatro décadas após sua fundação, com apenas um perfume e um batom, a empresa carioca baseou-se em estatística. "Fizemos uma pesquisa que revelou, entre outras coisas, que o consumidor acha melhor presentear com cosméticos do que com lingerie", relembra a vice-presidente da DeMillus, Eva Goldman. A chamada divisão D evoluiu para desodorantes, hidratantes para o corpo, óleos para banho, géis-desodorante para os pés, cremes para as mãos, sabonetes e loções de tratamento para o rosto, entre outros.

Hoje, são mais de 20 fragrâncias, que contemplam também o público infantil e o masculino (justificado pela venda em catálogos da cueca Vik, adquiridas em até 80% das vezes por mulheres). Já a linha de maquiagem tornou-se completa com brilhos labiais, sombras, pó compacto, lápis para olho, delineador para os lábios, rímel, além de esmalte e amolecedores de cutícula. Há também batons e brilhos para crianças e adolescentes.

A produção é terceirizada e envolve vários fabricantes de cosméticos. Apenas o design das embalagens fica a cargo de profissionais da DeMillus. Embora algumas lojas vendam os produtos de beleza, a maior força de vendas está no porta-a-porta. "No mundo dos cosméticos, a figura da promotora é muito importante", acredita Eva. No varejo comum, observa a executiva, a operação é mais complicada e exige cuidados maiores do que os dispensados à lingerie. "Além de ter espaço para a exposição dos produtos, o lojista tem de estar atento a prazos de validade e à própria temperatura do estabelecimento."

A Duloren, que fabrica 1,2 milhão de peças por ano, pretende usar boa parte dos 22 mil pontos de venda que tem como clientes (a quantidade a coloca como a maior rede de distribuição do mercado nacional de lingerie). Apenas uma pequena parte deverá ficar para o sistema de catálogos. A marca integra a publicação Hermes, que reúne também a Payot e a Natura. "O caminho que pretendemos seguir é diferente dos que já estão no mercado", avisa Denise Areal, sua diretora de marketing e estilo. O preço médio também será mais alto e visa um público de maior poder aquisitivo. Além de cremes de beleza haverá perfumes.

Ainda não está definido quando as novidades chegarão ao mercado. "Estamos em fase de intensa pesquisa para chegar ao mundo dos cosméticos", afirma Denise. A executiva lembra que a aproximação entre os dois universos é crescente e envolve muito mais do que linhas de produtos. Prova disso é que a roupa de baixo tem agregado atributos estéticos ¿ a própria Duloren tem o sistema dry clean, com creme hidratante nas fibras do tecido e a promessa de pele mais macia a quem veste. Lingerie hoje pode maquiar o corpo, levantar bumbum, disfarçar gordurinhas e até promete ser anti-celulite. Mas nada disso é definitivo e assim como um tubinho de creme, está fadado ao fim. "São efeitos que saem com as lavagens", observa.

Para a paulista Marcyn, com 22 anos de mercado, a mais nova entre as cinco grandes, criar um perfume foi parte da estratégia de prestígio à marca junto de seus principais lojistas. A empresa tinha voltado todas as suas atenções para sua grife teen, a Capricho, criada no final de 2001 em parceria com a revista homônima. "Estávamos concentrados nessa marca e com isso a Marcyn acabou ficando um bom tempo fora da mídia", reconhece seu gerente de marketing Marcos Zaborowsky.

No segundo semestre, investiu R$ 3 milhões em comunicação e voltou forte às principais revistas femininas e de celebridades. Com a retomada das campanhas, a cargo da agência Integrada, foi preciso inovar. "O perfume surgiu para colocar a Marcyn bem forte no ponto de venda", diz Zaborowsky. Assim, 500 lojas (que equivalem a 8% do total de clientes da marca) ganharam modernos mostruários, que acompanham as fragrâncias. Segundo o executivo, os donos dos estabelecimentos sentem-se valorizados. "É uma novidade, ninguém havia introduzido os perfumes com o uso de displays."

A marca também faz venda por catálogos, veículo, no entanto, que não contemplará a perfumaria. Embora o perfume Marcyn não esteja ligado a nenhum tipo de promoção passageira, não é intenção da empresa ter o perfume como um negócio. "É apenas um complemento de charme, parte de um conjunto para deixar a Marcyn na mente do consumidor brasileiro."

Se a sinergia é óbvia - consumidora de lingerie, também compra cosméticos e fragrâncias - a iniciativa não interessa à totalidade das empresa. Até porque o caminho não é simples. Encontrar um bom fornecedor é fundamental. Além disso, desenvolver uma linha de cosméticos não sai barato. Também é preciso levar em conta que um "perfume de lingerie" jamais será alçado à condição de ícone da perfumaria.