Título: Entidades pedem mudança em compra pública de fármacos
Autor: Lívia Ferrari
Fonte: Gazeta Mercantil, 24/08/2004, Indústria$Serviços, p. A-11

A Lei 8.666, que rege licitações de compras do setor público, foi duramente criticada por representantes do setor de fármacos e de medicamentos, que participaram de painel na sede do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Cerca de 30% dos volumes totais de matérias-primas e insumos farmacêuticos adquiridos pelos laboratórios públicos, 18 em todo o País, são rejeitados por falta de qualidade, afirmou o presidente da Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Oficiais do Brasil (Alfob), Carlos Alberto Pereira Gomes, reclamando que o Brasil, em suas compras governamentais de insumos - e ao contrário de países com maior rigor, como EUA e os da União Européia - não faz o rastreamento nem a fiscalização da origem das matérias-primas farmacêuticas importadas e que serão utilizadas na fabricação de medicamentos finais pelos laboratórios públicos.

As compras governamentais são realizadas com base na lei 8.666, que adota como critério básico o menor preço de fornecimento, através de leilões. Grande parte dos insumos importados (85% do total) são provenientes da China e Índia, com baixos preços e sem compromisso com qualidade, disse Gomes. Segundo ele, o controle de qualidade do insumo só é feito depois, em testes nos laboratórios oficiais demandantes do insumo. Em seu entender, caberia à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), do Ministério da Saúde, controlar a qualidade dos insumos farmacêuticos que entram no País. "O governo deveria usar o poder discricionário da Anvisa para fiscalizar a qualidade dos insumos importados", disse ele, afirmando que a situação penaliza quem está produzindo insumos internamente com qualidade.

O diretor de fiscalização da Anvisa, Antonio Carlos Bezerra, rebabeu as críticas, garantindo que há controle de entrada. "Na prática não é assim", sustentou o presidente da Alfob, que enfrenta uma rotina devolução de insumos importados sem qualidade. O problema não impõe prejuízos financeiros diretos, pois o pagamento somente é efetuado após aceitação do produto. Mas impõe custos de com atrasos no processo de produção de medicamentos e, consequentemente, demora no suprimento da rede pública de saúde. "A lei 8.666 é um estímulo à revenda de insumos importados de baixa qualidade", disse Alberto Ramy Mansur, representante da Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina (Abifina). "O que mais tem é revendedor da China. Vivem dos leilões do governo. Em muitas licitações sequer informam o país de origem do produto, com preços aviltados", afirmou Mansur, contabilizando 6 mil fabricantes de insumos fármacos na China e 4 mil, na Índia, que, "em sua maioria, não fazem processamento adequado da matéria-prima". Segundo ele, "está em jogo a qualidade do medicamento final consumido pelo pobre da rede pública de saúde. São, em grande parte, medicamentos para doenças graves, como Aids, hipertensão, epilepsia". Citou como exemplo licitação pública realizada em julho último para fornecimento de fernitoína (matéria-prima), na qual um revendedor cotou preço extremamente baixo, sem identificar a origem do insumo importado. Ofereceu a R$ 46,5 por quilo, e o produtor nacional, a Nortec, ofertou R$ 83,00 por quilo. O comprador era um laboratório oficial, disse Mansur, queixando-se de concorrência desleal.

As indústrias do setor querema exclusão dos fármacos da Lei 8.666. O secretário de Política Tecnológica e Empresarial do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), Francelino de Miranda Grando, reconhece que a lei não faz distinções por setores e "traz enormes transtornos". Informou, porém, que o governo está trabalhando na proposta de uma nova legislação, com enfoque estratégico para compras e encomendas governamentais.

Lançado em abril último, no âmbito da nova política industrial, o Profarma, programa do BNDES para o apoio do setor conta com uma carteira de projetos de R$ 600 milhões entre operações em pré-consulta, enquadramento e análise. A perspectiva é de financiamentos de R$ 300 milhões ainda este ano, disse Grando, satisfeito com a demanda firme do novo programa. Segundo ele, cinco projetos já estão enquadrados e dois em fase final de análise. O setor de medicamentos e fármacos amarga déficit comercial de cerca de US$ 4 bilhões/ano e, depois de fretes, é o "segundo maior sangradouro de divisas brasileiras", disse o presidente do BNDES, Carlos Lessa.