Título: Impacto da conta investimento...
Autor: José Eduardo Gonçalves, Denise Juliani e Marina Sh
Fonte: Gazeta Mercantil, 24/08/2004, Relatório da Gazeta Mercantil, p. 4

O que trava a movimentação dos clientes, muitas vezes, é exatamente a CPMF. Então, quem tem uma carteira de fundos em que a clientela toda está sujeita à CPMF, pode acreditar que aquela clientela não vai decidir a movimentar a carteira inteira do fundo; uma parcela significativa será afetada porque tem esse amortecedor das movimentações. Num ambiente onde não existe mais essa trava da CPMF, deverão ocorrer movimentos maiores. Um gestor que não for bem-sucedido poderá ser penalizado de uma maneira bem mais significativa, e quem for bem-sucedido poderá ganhar volumes mais significativos de recursos.

Luis Roberto Zaratin Soares - Discordo dos dois colegas. Um investidor que compra um fundo DI de um banco de varejo e tem uma taxa de 16%, chega ao final de um ano com um retorno de 13 a 13,5% líquidos, considerando-se só as taxas brutas e sem incluir o Imposto de Renda (IR). Diante disso, acho sinceramente que não são os 0,38% de CPMF que o impedem de mudar para um produto mais dinâmico.

Ricardo Campos - Esse cliente paga 6% de taxa real, e meio em 6% você está falando de 8, 9%. Acho 0,40% um valor grande. Fora isso, se fizer a conta, quer dizer, 16% menos 20% do IR, sobram 13%, menos a inflação sobram 6% de taxa de juro real. Então, você fala de 0,40% e, na prática, está falando de 8% no retorno.

Luis Roberto Zaratin Soares - Você está falando de produtos diferentes.

Paulo Caricatti (Citigroup Asset Management) - Na verdade, há alguns elementos dos dois lados que são bastante importantes. Existe uma gama muito grande de clientes diferentes na indústria de investimentos no Brasil e em qualquer lugar. Há clientes de varejo, clientes com investimentos menores, que têm outros produtos do banco. Eles recebem salário, fazem pagamentos, contam com a conveniência das agências e de uma série de outras por estarem no banco. Por isso, fica muito mais fácil que eles tenham um fundo de investimento para o seu recurso de liquidez dentro do mesmo banco. Isso vai se acentuar com a entrada da conta investimento, que é o crosselling (venda cruzada), ou seja, a capacidade das instituições de tornarem os clientes fiéis através de um relacionamento que inclui uma série de produtos e não só um produto de investimento isoladamente.

Na verdade, isso não vai contra o que está sendo falado aqui pelo Ricardo. Há outros tipos de investidores, que têm um pouco mais recursos. A gente ainda não falou aqui do private banking (atendimento a pessoas físicas de alta renda), que é muito importante. Aí está um cliente que tem mais mobilidade, consciência e recursos, e menos aversão a riscos. Ele busca uma instituição apenas pelo investimento e exige das empresas de asset management e de todos os outros gestores de produtos financeiros uma performance realmente superior para que possa ser atraído.

No momento zero da conta investimento não haverá o risco de grandes movimentações. A princípio, para os investimentos já feitos, nada vai mudar. Vamos ter a CPMF para a migração como tinha antes. A partir daí, no dinheiro novo vai surgir o critério de análise da performance, com a revisão da carteira de investimentos como um todo, e contra a conveniência que a maior parte dos recursos e os fundos mais conservadores estão ligados.

Luiz Felipe P. Andrade (UAM/Unibanco) - Também fico numa posição meio híbrida entre esses dois números, mas acho que existem alguns riscos aí que podem virar o jogo para um lado ou para o outro. Na questão dessas duas fases mencionadas pelo Márcio Emery, há um sério risco de que a primeira seja muito curta, porque se tiver movimento competitivo das asset managements de começarem a pagar CPMF, rapidamente todo o estoque migra para dentro da conta CPMF. Então, esse estoque que hoje está defendido, de certa maneira, passará rapidamente para a conta investimento e aí se ficará sem nenhuma retenção do estoque. Com isso, passa-se para a segunda fase muito rapidamente. Acho que nesta situação a indústria de fundos tem que tomar o cuidado de não dar um tiro no pé e começar a gerar uma onda enorme de movimentação.

E aí vem um segundo risco, que tenho uma preocupação do ponto de vista do investidor. Quem acompanha a performance de um fundo, o tipo de recomendação e até a cobertura da imprensa, observa que atualmente há um viés de curtíssimo prazo de seleção de fundos e de variação de performance de gestor. Se for considerado um ambiente em que a mídia alardeia que o desempenho do fundo A, B ou C foi ruim naquele mês, o nosso investidor, que não costuma analisar o longo prazo, pode ser induzido a provocar um giro de carteira que, no final, só vai piorar sua rentabilidade.

E aí tem um segundo agravante nessa situação. Estamos saindo de um mundo de taxas de juros altos para um mundo de taxas de juros mais baixos, e esse tipo de gestão de investimento contra o mercado de CDI, que existe hoje na indústria de fundos, em algum momento terá que mudar. Os gestores vão ficar de alguma maneira nesse dilema: entre fazer uma gestão pensando no CDI/mês ou realmente começar a agregar valor para o cliente pensando em estratégias de longo prazo. Na hora que se fizer isso, maior será o risco de se obter uma performance ruim no mês, porque se estará com uma posição mais longa. Nessa mudança para a estratégia de investimentos de prazo mais longo a volatilidade mensal - ou o resultado mensal - pode aparecer mais, porque induzirá o cliente a olhar para um número ruim naquele mês e ele pode começar a migrar indevidamente, já que não vai capturar o benefício de uma estratégia de prazo um pouco mais longo do gestor.

Há, portanto, o risco de no final surgir um atrito na indústria toda e o cliente não ser beneficiado. O papel fundamental de nós, gestores, e da imprensa é de realmente educar o investidor para que ele não caia nessa "armadilha". Do lado dos gestores existe, ainda, o risco causado pela estratégia de aquisição de market share pagando-se CPMFs. Já se viu o resultado disso na indústria do segmento institucional - todo mundo perdeu, inclusive o cliente, porque inclusive não se viabilizou uma série de assets e atualmente há vários provedores que não conseguem se diferenciar, porque temos uma taxa que não suporta nenhum aprouch nesse mercado institucional mais diferenciado.

Outro ponto importante precisa ser mencionado. Tudo bem que se tem uma série de incentivos que fazem o dinheiro de corporate - ou o dinheiro de algum institucional - ainda ficar dentro de fundo, com alguns benefícios fiscais e o custo de contabilização. Mas esta seria uma boa oportunidade para se depurar um pouco a indústria de fundo, para se tirar dela o dinheiro que não está lá atrás do benefício, que é um fundo de investimento, que é o fundo deixar de ser simplesmente um instrumento e passar a ser o que ele realmente é. Este é um produto onde se contrata um especialista em gestão e se está agrupando investidores, que podem se beneficiar de uma gestão compartilhada com volumes maiores e com acesso a posições que eles, como investidores individuais, não encontrariam no mercado. Então, acho que isso limpa um pouco a indústria. E a indústria passa realmente a pensar em fundos mútuos, que é a parte nobre dela, e não a indústria de custódia, ou a indústria que simplesmente oferece um benefício fiscal ao cliente.

Gazeta Mercantil - O Sr. citou a possibilidade de migração até como uma armadilha, entre aspas. Isso significa, à primeira vista, que a conta investimento provocará uma competição muito mais acirrada nesse mercado em relação ao que estamos vendo no momento. Há consenso sobre isso entre os Srs.?

Gilberto Kfouri (BNP Paribas) - No primeiro instante, o impacto não deve ser tão grande. E a questão de bancar a CPMF passa a não ter sentido depois da implantação da conta de investimento. Hoje, ainda faz algum sentido; depois, não se estaria mais fidelizando o cliente - a instituição vai bancar depois que o cliente já estiver lá dentro e ele, no entanto, poderá sair a qualquer momento. O impacto maior, em minha análise, será na segunda fase, porque se for considerado que do estoque que existe hoje pelo menos 50% ainda existirão em outubro de 2006, creio que lá sim vai ter uma campanha muito mais agressiva para tentar capitalizar aquele cliente.

Outro ponto importante é que mais profunda que a mudança a ser provocada pela conta investimento será a gerada pela nova tributação que o governo está estudando e poderá surgir nos próximos meses, incentivando investimentos de prazo mais longo.

Edvaldo Morata (Santander) - A indústria de poupança em geral, falando-se de caderneta de poupança, depósitos a prazo, CDBs e fundos, é muito condicionada a eventos externos. Os maiores movimentos que aconteceram na indústria nos últimos anos decorreram de eventos externos à atividade de gerenciamento de recursos dos clientes. Neste sentido, a mudança que poderá acontecer em função da implantação da conta investimento tem de ser olhada nesse contexto maior, de que a indústria de fundos não se modificou por razões intrínsecas a ela, substancialmente nos últimos cinco ou dez anos. Talvez a grande mudança tenha sido no negócio de institucionais, em que de fato houve um movimento de busca de market share feito por alguns dos grandes competidores e isto alterou o perfil da indústria, mas não o do serviço prestado aos investidores.

O segundo ponto é que se deve olhar para o estoque de uma forma muito crítica e ampla. Existe um pedaço do estoque que busca a rentabilidade, tem capacidade de analisar, entender e correr risco e, portanto, que já é móvel. Existe outro pedaço do estoque que tem baixa mobilidade, baixa propensão a risco e, portanto, é quase imóvel. Para o primeiro grupo, diria que a CPMF deixou de ser um tema. Hoje existe a migração de grandes recursos, principalmente falando-se no negócio de pessoa física. Existem políticas das mais diversas sobre reembolso, adiantamento e outras do gênero. A conclusão sobre o impacto da chegada da conta investimento é de que será distinta nos dois grupos, eventualmente estimulando um pouco mais a competitividade na parte de cima da pirâmide, onde se encontra a maior busca por qualidade de gestão, rentabilidade e administração de risco, e muito pouco impacto no segundo grupo.

Realmente há outros eventos que podem ter impacto maior do que a conta investimento. A tributação, como já foi citada, é um deles.

Guy Perelmuter (Pactual) - De fato, o investidor mais sofisticado já está há algum tempo alheio à CPMF por várias estruturas, e talvez a mais óbvia seja o próprio FAC em que ele está. Ele monta o FAC na instituição de sua preferência e tem mobilidade interna para migrar de fundos.

Já o investidor com menos sofisticação e que tende a ter um pouco mais de latência para realizar as suas movimentações, é muito movido a eventos externos, como foi comentado. E sabemos, por já termos vivenciado isso no Brasil, que freqüentemente o catalisador de uma crise vem do efeito manada, no qual você tem no primeiro momento um movimento que começa relativamente restrito, mas que ao se propagar em círculos maiores pode aumentar de intensidade e de amplitude. Então, a minha ponderação é basicamente sobre o ponto no qual essa isenção do CPMF na conta investimento pode levar a uma massa de recursos que até então não tinha mobilidade, mesmo perante algumas crises, porque simplesmente havia um empecilho relevante no que tange à rentabilidade. Com esse empecilho saindo da frente, podem-se maximizar alguns eventos e isso tornar-se novamente algo bastante prejudicial ao mercado. Vamos ter um processo de quase retroalimentação, ou seja, quando alguma coisa piora o cliente age em cima disso, aí o outro cliente também faz isso e, então, forma-se uma bola-de-neve que potencialmente pode até amplificar alguns eventos.

Edvaldo Morata - Se acontecesse daqui a três anos, quando eventualmente o nível de taxa de juros real estivesse mais baixo, o impacto seria eventualmente amplificado. Hoje, tendo mais a concordar nesse ponto com o Luis Roberto.

Ricardo Campos - Só para lembrar: o único lugar do mundo em que existe essa anomalia - a CPMF - é no Brasil. Por isso que os fundos ficam todo dia migrando de um lado para o outro. Só acho que existirá naturalmente uma busca por gestores melhores, quer dizer, ou uma insatisfação será resolvida.