Título: Impacto da conta...
Autor: José Eduardo Gonçalves, Denise Juliani e Marina Sh
Fonte: Gazeta Mercantil, 24/08/2004, Relatório da Gazeta Mercantil, p. 4

Não podemos menosprezar o efeito que um evento em si, através da divulgação pela imprensa, pode gerar. Já vimos isso inclusive na crise de marcação a mercado. Todo mundo aqui sentiu na pele. Foi um evento tipicamente de efeito manada; a partir de uma pequena informação nos jornais, o negócio explodiu e saiu do controle. No Brasil, não se pode menosprezar o efeito que tem uma cobertura acirrada da imprensa em cima de um investidor. Está certo que o investidor de varejo é mais acomodado, mas é um investidor que olha o curto prazo. E no semestre passado, tivemos eventos também no segmento de multimercados, que reúne investidores mais qualificados.

Luis Roberto Zaratin Soares - Não sei se eles eram tão qualificados assim. Acho que muitos desses investidores de multimercados deste ano eram clientes talvez não tão sofisticados assim, que estavam atrás do retorno dos fundos DI do ano passado, mas que renderam 110, 111%. Eram, então, investidores de memória curta.

Luiz Felipe P. Andrade - Isso reforça o ponto importante de manada, porque eles foram comprar não porque queriam, mas porque escutaram ou leram na imprensa que era interessante investir em multimercado.

Luis Roberto Zaratin Soares - Não sabemos quanto do crescimento foi provado pelo investidor que, no ano passado, teve no fundo mais básico um resultado além do normal - um resultado "obsceno", que nada mais foi do que a recuperação de um resultado de 2002, em função da marcação a mercado. Mas o investidor tem memória curta e aí uma coisa importante é o aspecto cultural, que precisa ser explorado por todos.

Arnaldo Vollet - O próprio adiamento da conta investimento para 1º de outubro está propiciando uma discussão e a imprensa tem um papel importante no sentido de esclarecer, porque muita gente acha que no dia 1º de outubro vai migrar e acabou. O investidor não é qualificado. Dou outro exemplo: no final do ano passado, subia a captação na Bolsa e, no primeiro estresse, o investidor que entrou na alta saiu na baixa, influenciado por um artigo de jornal. Os cadernos financeiros de segunda-feira têm essa influência perigosa. Como no fim de semana não funciona o mercado financeiro, os jornais precisam fazer algum caderno na segunda-feira e, então, vêm aquelas matérias. Tenho medo desses cadernos de segunda-feira.

Gazeta Mercantil - Para fecharmos este bloco sobre a chegada da conta de investimento, qual seria então o papel da imprensa em relação a esse tema? Ou seja, os Srs. falaram da influência perigosa dos cadernos financeiros de segunda-feira, que podem até alterar a vida do investidor. Qual seria a função da imprensa neste contexto?

Luiz Felipe P. Andrade - Um papel importante é o educacional. O investidor deve procurar maximizar o retorno do seu investimento, mas fazendo isso de uma maneira um pouco melhor do que simplesmente olhando o ranking do final do mês, porque isso não existe.

Gazeta Mercantil - Então, o papel da imprensa, na visão dos Srs., seria fazer algo bem didático, educacional?

Edvaldo Morata - Descomplicar.

Luiz Felipe P. Andrade - Deveria dar os estímulos adequados. Não deveria se limitar a dizer: "Olha, seu fundo foi mal este mês, então mude, porque agora você não paga mais CPMF". Esse tipo de coisa só vai induzir o investidor ao erro. Acho que poderia dizer muito mais, por exemplo: "Olha, agora que você não paga mais a CPMF, tem a oportunidade de escolher os bons gestores", e ensinar o que é um bom gestor, além de analisar o longo prazo. Aí sim você vai ter o dinheiro fluindo normalmente para os bons gestores, de uma maneira que seja sem destruição de valor para o cliente.

Guy Perelmuter - Uma proposta objetiva nesse sentido acho que seria a seguinte. Entendo que todos nós, que estamos diretamente envolvidos com a atividade de gestão de recursos, temos métricas e metodologias para acompanhar o desempenho não apenas dos fundos das nossas instituições, mas dos nossos pares, e essas métricas são mais amplas e profundas do que simplesmente olhar o percentual do CDI que o fundo A rodou nos últimos dois ou três meses. Uma forma de auxiliar nesse processo de aculturamento é buscar junto às instituições financeiras quais as metodologias sugeridas, as consideradas adequadas. É um processo absolutamente complexo, porque envolve questões tanto quantitativas quanto qualitativas. Apreciar o bom gestor, saber diferenciá-lo, identificar aquele que vai conseguir no longo prazo rentabilizar de forma adequada o seu patrimônio não é uma questão simples nem trivial. Essa necessidade de informação que o investidor sente poderia ser solucionada através de sucessivas edições, reunindo os participantes do mercado e abordando a forma como os produtos são escolhidos, como identificar se um gestor é adequado ou não à aplicação. Isto, evidentemente com um tratamento editorial correto, pode se transformar em veículo que auxilia de fato a tomada de decisão do investidor.