Título: Impacto da conta investimento será pequeno
Autor: José Eduardo Gonçalves, Denise Juliani e Marina Sh
Fonte: Gazeta Mercantil, 24/08/2004, Relatório da Gazeta Mercantil, p. 4

Gestores prevêem baixa migração no primeiro momento e dizem que setor precisa de tributação mais atraente. A chegada da conta investimento, em outubro, eliminará a incidência da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) nas aplicações, mas não parece assustar os principais gestores da indústria de fundos, já que acreditam que pelo menos no primeiro momento ninguém assistirá a uma eventual "dança de clientes", migrando de uma instituição para outra, estimulados pela isenção. Para eles, um ajuste mais profundo nas mudanças tributárias causaria um impacto muito maior nos negócios, já neste semestre, do que o fim do pedágio ao investidor, decorrente da CPMF.

Esta análise e outras opiniões dos gestores em relação ao que poderá acontecer na indústria de fundos de investimento no segundo semestre surgiram durante uma mesa-redonda realizada pela Gazeta Mercantil, no final de julho, no WTC Club, em São Paulo (SP). Participaram dos debates os seguintes gestores: Marcos L. de Callis (diretor de Investimentos da HSBC Asset Management), Paulo Alexandre Caricatti (superintendente de Investimentos em Renda Fixa da Citigroup Asset Management), Edvaldo Morata (superintendente da Santander Asset Management), Gilberto Kfouri (diretor de Investimentos do BNP Paribas), Ricardo de Campos (sócio e gestor de Fundos Multimercados da Hedging Griffo), Guy Perelmuter (diretor de Risco do Banco Pactual), Arnaldo Vollet (diretor executivo da BB DTVM, a asset management do Banco do Brasil), Luis Roberto Zaratin Soares (diretor de Administração de Renda Fixa do Banco Bradesco), José Mauro Delella (diretor de Investimentos do Banco Itaú), Márcio Emery (diretor de Asset Management do Banco Alfa de Investimentos) e Luiz Felipe P. Andrade (diretor da UAM, a asset management do Unibanco).

Os debates foram divididos em quatro blocos. No primeiro, envolveram a chegada da conta investimento. No segundo, o foco esteve nos desdobramentos do quadro eleitoral. O terceiro bloco abordou os impactos do aquecimento da economia. E no quarto bloco, os gestores discutiram as expectativas de risco/retorno, volatilidade e novos produtos para o semestre. A partir desta página, encontra-se reproduzido de forma editada o conteúdo dessa mesa-redonda, a começar pela implantação da conta investimento.

Gazeta Mercantil - A partir de 1º de outubro os bancos poderão operar a conta investimento, um mecanismo criado através de lei pelo governo federal para eliminar o pagamento de CPMF dos investidores na migração entre aplicações financeiras. Com isso, teoricamente, os pequenos aplicadores ganham as mesmas vantagens tributárias já ofertadas aos grandes. A impressão inicial é que esta novidade pode alterar, principalmente no "varejão", muita coisa em relação à indústria de fundos. Qual é o impacto esperado e como as instituições estão se preparando para isso?

Arnaldo Vollet (BB DTVM) - É claro que a indústria de fundos cresceu em função do CPMF. Só que, no primeiro momento, não vejo a conta investimento como uma ameaça. No fluxo, poderá trazer algum impacto para a indústria de fundos. Para o cliente do varejo, pode realmente haver uma migração de um produto, mas não vejo o cliente do varejo sacando de um fundo - por descontentamento - para outro. Estamos falando na migração de uma instituição para outra. E, normalmente, o cliente do varejo tem uma fidelização com a instituição, já que ali ele conta com uma série de outros relacionamentos, como a conta-salário, um cartão de crédito, seguro, fundo de previdência - PGBL ou VGBL.

Dentro da mesma instituição, no entanto, poderá haver uma migração se o cliente não estiver satisfeito com o fundo A ou B. Talvez migre para o CDB ou poupança, mas não acredito que faça isso de imediato. Prevejo que esse cliente fará isso no dinheiro novo, isto é, no fluxo ele vai fazendo esse movimento e não no sentido de abrir a conta de movimento, até porque ele vai ter o pedágio inicial ao sacar o dinheiro.

No plano institucional, no corporate, a maioria dos clientes tem fundos exclusivos, em que já existe essa mobilidade. Alguns poderão atuar com uma carteira própria para não pagar a taxa de administração, mas essa taxa hoje - nesse segmento - já está muito competitiva. Então, o cliente precisaria fazer um estudo para analisar a viabilidade da mudança. Penso que ele continuaria terceirizando a administração dos seus ativos.A única ameaça creio que poderia vir do midle market, com algumas migrações que não teriam fundo exclusivo e talvez passariam a trabalhar com uma carteira. Mas, em resumo, não vejo no curto prazo uma ameaça da conta investimento para a indústria de fundos. Ela deverá causar impacto no fluxo.

Luis Roberto Zaratin Soares (Bradesco) - Em se falando do corporate, há de se considerar que o custo de ter um fundo exclusivo para uma empresa reduz bastante o custo de contabilidade dela. O administrador acaba fazendo todo esse trabalho para a empresa e é vantajoso que se tenha isso cotizado.

Arnaldo Vollet - E como as taxas estão muito estreitas, na realidade fica barato.

Luis Roberto Zaratin Soares - Concordo que no primeiro momento não haverá uma grande massa de resgate, porque o custo tributário é muito grande. Num segundo momento, quando o fluxo começar a acontecer, pode ser que se comece a buscar novos fundos ou outros produtos. Dificilmente serão criados novos departamentos em empresas para se gerar novas contabilidades. Acho que pode se voltar à carteira administrada para o segmento institucional, que aí é uma nova dinâmica aprazada.

Gazeta Mercantil - Como o Bradesco está se preparando para a conta investimento em termos de busca de novos clientes, de maior captação?

Luis Roberto Zaratin Soares - Na verdade, não criamos ainda novos produtos para captação, em função da chegada da conta investimento. Vamos manter os que já temos.

Gazeta Mercantil - E o Itaú?

José Mauro Delella (Itaú) - Em relação ao risco, sem dúvida a conta investimento estará mais focada no segmento mais qualificado, em que estão o midle market e o corporate. Mas quanto a esse ponto levantado pelo colega do Bradesco em relação ao custo, já percebemos uma certa conscientização que no início das discussões sobre conta investimento não aparecia muito. Então, diria que o impacto inicial em relação a uma eventual possibilidade de mudança mais forte está dando lugar a uma discussão um pouco mais racional, do ponto de vista de custo.

Em relação à possibilidade de lançamento de produtos ou posicionamentos estratégicos, também diria que o Itaú está numa posição parecida com a do Bradesco. Estamos estudando alternativas, mas também não temos nada para ser anunciado agora.

Gazeta Mercantil - Temos a informação de que o HSBC, no entanto, já tem um produto pronto voltado à conta investimento. É isso mesmo?

Marcos L. de Callis (HSBC) - Há dois meses, lançamos dois fundos de aplicação em conta (FACs) na verdade para induzir a novas aplicações. São FACs onde a taxa de administração é zero por um período limitado, para induzir uma migração espontânea de novos clientes. Isso é válido para novas captações, como se fosse uma oferta do dia. Trata-se de um produto de promoção por um tempo limitado, para se tentar eventualmente capturar um pedaço das aplicações dos clientes que estariam querendo movimentar recursos em função da conta investimento.

Ricardo Campos (Hedging Griffo) - Vou discordar um pouquinho, até para ter debate. Na verdade, o fator primordial da conta investimento seria, inicialmente, estimular esse tipo de movimentação. Quando você tira esses 0,38%, é muita coisa. Se você pegar o patrimônio inteiro de um cliente e tirar quase 0,40%, isso é um volume muito grande. Funcionava como um pedágio para o cliente que quisesse fazer alguma movimentação.

Quanto à migração, quem está satisfeito com a instituição, obviamente, não vai mudar. Já o cliente que está um pouco insatisfeito, será que vai analisar se vale a pena pagar quase 0,40% para ir para outro fundo DI, por exemplo? Acho que esse tipo de cliente realmente não fez grandes mudanças, porém você está meio que embaralhando as cartas de novo. Você está falando: "Olha, a partir de agora quem tem a conta do cliente não tem mais nada". Aquele cliente, por exemplo, que imagina fazer algum investimento diferente, sair e procurar alguma coisa mais para renda variável, mais para um fundo multimercado, poderá ficar muito mais tentado a se movimentar num ambiente desse tipo, do que num ambiente em que ele encontra um pedágio tão grande. Então, a tendência é das pessoas começarem a fazer alguma coisa a mais. Fora essa iniciativa do HSBC, acredito que a partir de agora outros bancos também comecem a oferecer primeiro a CPMF para o cliente migrar para a conta investimento dele, para criar algum tipo de fidelização ou algum tipo de iniciativa para atrair o cliente.

Márcio Emery (Banco Alfa) - Concordo com o Ricardo, mas acredito que é necessária uma distinção entre o que vai acontecer em dois períodos diferentes. O primeiro período envolve os dois primeiros anos em que o cliente ainda tem o primeiro CPMF para entrar na conta investimento. É óbvio que o estoque dentro da conta investimento vai gradualmente crescendo e por isso a chance dele movimentar vai crescer. Se a gente for analisar no primeiro dia da implantação da conta investimento, o impacto tende a ser realmente muito pequeno, pelo menos o racional. Pode ser até que emocionalmente alguém se decida até por pagar CPMF, sem ter uma alternativa tão interessante, pela vontade de estar na conta investimento, mas racionalmente é no momento em que ele se decide por pagar uma CPMF e fazer a primeira movimentação que entra no jogo e a partir daí é que o sistema começa a acumular estoque. E isso vai crescendo até chegar em 2006, quando está todo mundo já liberado para fazer a migração. Nesse momento a indústria toda enxergará uma circulação maior do dinheiro, o que certamente dependerá da capacidade de cada gestor de apresentar um retorno, um risco compatível com o que o cliente está esperando.

Em minha análise, clientes que tenham um acesso maior à informação - gente que leu o Relatório de fundos do jornal e está ali acompanhando em detalhes as rentabilidades -, tendem a migrar de uma maneira mais forte, e até criando uma situação um pouquinho complicada para o sistema, porque se convive com carteiras de fundos extremamente descasadas com o perfil da liquidez desses fundos.