Título: Na rota da reestruturação e da eficiência
Autor: Lucas Callegari
Fonte: Gazeta Mercantil, 08/11/2004, Panorama Setorial, p. A-6
O objetivo imediato é reduzir custos, sem perder qualidade, para ampliar o retorno dos investimentos. Com sérios problemas financeiros e altamente endividados, os hospitais privados brasileiros estão procurando alternativas para superar a crise que atinge o setor. O processo contínuo de descapitalização ocorrido nos últimos anos teve como conseqüência a queda na qualidade do atendimento, menor capacidade para investir, sucateamento dos equipamentos médicos, inadimplência junto aos fornecedores e no pagamento de tributos, e até a falência de muitos estabelecimentos. Entre as diversas estratégias que vêm sendo adotadas, destacam-se a profissionalização administrativa, a racionalização de custos de materiais e recursos humanos e a busca de mais qualidade nos serviços prestados aos clientes.
Diante da necessidade de melhorar suas condições de financiamento, o setor hospitalar tem adotado, de forma crescente, uma visão "mais política". Está se aproximando das operadoras de planos e seguros de saúde, visando a redução dos custos na área da saúde, sem prejudicar a qualidade dos serviços. Também estreita os contatos junto a órgãos públicos como a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Ministério da Saúde e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), numa tentativa de promover soluções para a atual crise.
Mas as dificuldades do setor são enormes e o quadro atual é reflexo da crise das fontes financiadoras da saúde no Brasil: o Sistema Único de Saúde (SUS) e o sistema suplementar, ou privado, formado pelas operadoras de convênios médicos que financiam os hospitais privados. Além dos problemas de financiamento, outros fatores contribuíram para piorar a situação, tais como o fraco desempenho da economia, os custos crescentes na área da saúde e a má gestão administrativa.
O SUS sofre com problemas crônicos de falta de recursos. Desde a sua criação, "o SUS sempre funcionou com recursos abaixo do que é necessário", afirma Dante Montagna, presidente do Sindicato dos Hospitais do Estado de São Paulo (Sindhosp). Já a crise da saúde suplementar, por sua vez, atinge diretamente os hospitais privados. Segundo a Associação Nacional dos Hospitais Privados (Anahp), em 2003 as operadoras de saúde foram responsáveis por cerca de 90% da receita de seus associados, que são estabelecimentos de grande porte.
Desde o final dos anos 90, as relações do setor hospitalar com as operadoras de planos e seguros de saúde pioraram. Com a aprovação, em 1998, da Lei 9.656, que regulamentou a saúde suplementar, as operadoras foram obrigadas a oferecer planos com cobertura mínima e seus preços passaram a ser controlados. Com isso, os hospitais começaram a enfrentar dificuldades crescentes para negociar os valores pagos por diárias e outras taxas.
Diante do peso dos convênios médicos para o seu financiamento, os hospitais foram afetados fortemente quando, nos últimos anos, os reajustes das diárias e taxas pagas pelas operadoras ficaram bem abaixo da inflação. Segundo a Anahp, entre 2000 e 2003, o pagamento pelos serviços prestados pelos hospitais acumulou aumento de 12,8%. No mesmo período o IPCA atingiu 40,3% e o IGP-M chegou a 65,3%. A correção das tarifas pagas pelas operadoras ficou também abaixo do reajuste de 34,9% concedido pela ANS, entre 2000 e 2003.
Segundo Reynaldo Brandt, presidente da Anahp, o setor de saúde suplementar está exageradamente regulamentado, o que "inviabiliza um número considerável de prestadores de serviços (hospitais, clínicas, laboratórios e outros estabelecimentos de saúde) e de operadoras de planos e seguros de saúde". Para Brandt, ao restringir a flexibilidade do mercado, não contemplar as diferenças sociais e regionais e encarecer os planos individuais, a Lei 9.656 influiu negativamente sobre o funcionamento do setor.
No mesmo período, a economia apresentou baixo crescimento e houve aumento de custos para os hospitais. Cerca de 40% dos equipamentos médicos são importados e a desvalorização do câmbio, a partir do final dos anos 90, provocou um alto índice de inadimplência. Nos últimos anos, as baixas taxas de expansão do PIB, quando não foram negativas, geraram desemprego e queda da renda dos consumidores. As operadoras de planos e seguros de saúde, responsáveis por boa parte da receita dos hospitais, sentiram o impacto. Esse movimento explica, em parte, porque cerca de 5 milhões de pessoas deixaram de ter planos de saúde, entre 1998 e 2003.
As falhas na área administrativa também colaboraram com a atual crise. Embora o setor hospitalar tenha iniciado um processo de modernização, ainda prevalece, na maioria das unidades, a falta de profissionalização de seus gestores.
Custos crescentes
Os custos crescentes da área da saúde são uma tendência que se observa em outros países e também no Brasil. Este aumento tem várias causas, e uma das principais é o envelhecimento da população. Um percentual cada vez maior da população é composto por idosos, que demandam mais serviços de saúde. Também contribuem para o encarecimento a contínua introdução de novas tecnologias e a falta de critério no uso de serviços de saúde.
Muitas vezes a introdução de novas técnicas não leva à redução de custos, como ocorre em outros setores. Verifica-se o contrário: aumento dos preços dos tratamentos, embora com ganhos de eficiência.
Isto se deve ao fato de que a tecnologia na saúde é complementar e não substitutiva. Um exemplo é a tomografia computadorizada e a ressonância magnética, que não eliminaram o aparelho de raio X.
Os hábitos de médicos e consumidores também levam ao crescimento dos gastos com saúde. A maioria dos usuários de convênios coletivos acaba usando em excesso seus planos de saúde, fazendo com que a freqüência de exames e consultas aumente, pois têm a percepção de que não pagam por eles. Uma parcela dos médicos também contribui para ocorrer desperdícios e ineficiências ao utilizar tecnologias sem critérios.