Título: Real forte pode afetar exportações
Autor: Jiane Carvalho
Fonte: Gazeta Mercantil, 08/11/2004, Finanças & Mercados, p. B-1
Para economistas do setor financeiro, porém, mercado encontrará o ponto de equilíbrio do dólar. A adoção de uma política de desvalorização do real como estímulo ao setor exportador opõe empresários, principalmente exportadores, e mercado financeiro. Se para um grupo a depreciação da moeda ajudaria a manter elevados superávits na balança comercial, para o outro o mercado por si só é capaz de, com o câmbio livre, encontrar o ponto de equilíbrio. Os dois grupos divergem sobre o tipo de política a ser adotada, mas concordam em um ponto: manter o saldo positivo da balança é fundamental para a estabilidade macroeconômica.
O setor exportador sustenta seus argumentos em favor da depreciação do real, para garantir a competitividade dos produtos nacionais, com um olhar histórico. Os dados mostram que as exportações só deslancharam após a depreciação do real. No período de câmbio fixo, de 1994 a 1998, o País acumulou sucessivos déficits na balança. Com a desvalorização, em 1999, a situação mudou.
De 2000 para 2001, o resultado da balança passou de um déficit de US$ 751 milhões para um superávit de US$ 2,6 bilhões. Dois anos de recuo no mercado interno deram um estímulo adicional às exportações e o saldo da balança cresceu de US$ 13,12 bilhões em 2002 para US$ 24,79 bilhões no ano passado, quando o câmbio médio foi de R$ 3,0715.
Mesmo com a previsão de novo recorde em 2004 - com US$ 94 bilhões em exportações e um saldo de US$ 32 bilhões - os empresários já se queixam da redução nos estímulos para exportar, em especial do câmbio. O coordenador de macroeconomia aplicada e professor da Escola de Economia da FGV/SP, Rogério Mori, concorda. "Se voltarmos no tempo, os sinais que provocaram o boom exportador, em 1999 e 2000, quando o câmbio chegou a R$ 3,8 com recessão doméstica, não existem mais."
Em relação à apreciação do real, Mori diz que o câmbio real efetivo - taxa de câmbio média de 15 moedas ponderada pela participação de cada país nas vendas brasileiras, descontada a inflação - já mostra apreciação. "Se deflacionarmos o câmbio de setembro deste ano utilizando o IPCA, chegamos à conclusão de que o real está 16,3% apreciado em relação a dezembro de 2002", calcula Rogério Mori. "Se usarmos o IPA, a apreciação no mesmo período chega a 17,9%." Segundo o professor da FGV, os reflexos nas exportações ainda não são sentidos por conta de uma defasagem natural e só devem ser medidos em 2005.
O problema da adoção de uma política de depreciação do real, como defende parte do setor empresarial, está na dificuldade de estabelecer qual a taxa de câmbio ideal para que se estimule as exportações, sem comprometer a inflação. Para o economista Fernando Ribeiro, da Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior (Funcex), o problema central está na forma como cada setor é afetado pelo câmbio.
"Se olharmos para as indústrias exportadoras que utilizam insumos importados na produção, o real valorizado pode ser vantajoso, pois reduz os custos", pondera Ribeiro. Além disso, diz o economista, há setores que, mesmo com um câmbio real apreciado, continuam ganhando. "Estes setores são favorecidos com o aumento dos preços do produto lá fora e o câmbio ruim não conseguiu corroer o ganho."
A escolha do índice inflacionário para cálculo do câmbio real - de onde parte qualquer análise em defesa de uma intervenção no câmbio - é outro problema. "Para um setor mais afetado pelo preços do varejo, como os intensivos em mão-de-obra, o ideal é usar o IPCA que corrige os salários", explica Fernando Ribeiro. Outros setores, com custos mais afetados pelo atacado, devem utilizar o Índice de Preços no Atacado (IPA). "É difícil saber qual o nível de equilíbrio do câmbio, mas acredito que hoje seria algo próximo de R$ 3."
É usando exatamente este argumento - a busca de uma cotação de equilíbrio - que o setor financeiro defende o modelo de câmbio livre. Para o gerente de política monetária do banco Itaú, Joel Bogdanski, uma intervenção no câmbio só se justificaria em uma crise de liquidez. "Boa parte da estabilidade da economia foi conseguida com o câmbio flutuante", justificou. Além disso, disse, o mercado tem mecanismos para encontrar este equilíbrio. "Se as exportações se reduzirem, cai o ingresso de dólares no País o que acaba pressionando a cotação para cima, e o real se deprecia", defendeu Bogdanski.
O economista-chefe da corretora Fator, Vladimir Caramaschi, faz coro. "Não acredito que hoje o câmbio atrapalhe as exportações, mas de qualquer forma é improvável que o BC, preocupado com a inflação, atue no mercado para evitar uma apreciação do real", diz Caramaschi, lembrando que a valorização do dólar poderia pressionar a inflação. Além disso, o economista lembrou que outro fator deve evitar uma apreciação exagerada do real.
"Com a queda na cotação do dólar, em algum momento o BC vai entrar no mercado para comprar moeda e ampliar as reservas do País", explicou Caramaschi. "O efeito secundário disto será uma alta na cotação da moeda norte-americana." O economista acredita que isto deve ocorrer no momento em que a cotação ficar abaixo de R$2,75.
A política de livre flutuação do câmbio, defendida pelo setor financeiro, também encontra respaldo no setor acadêmico. O professor de economia da PUC/Rio, Luiz Roberto Cunha, considera improvável uma intervenção no mercado. "Na ata da última reunião do Copom, o BC deixou claro que existe um choque favorável do câmbio, com o real valorizado, e isto não deve mudar", lembrou. "Esta é uma das vantagens do câmbio livre", defendeu.
As opiniões tanto de empresários quanto do setor financeiro só convergem em um ponto: os sucessivos superávits na balança comercial têm sido determinantes na estabilidade macroeconômica. Entre janeiro e setembro deste ano, o saldo acumulado em conta corrente do País chega a US$ 9,6 bilhões. Resultado atribuído, principalmente, à balança comercial.
A opinião geral é de que o ingresso de dólares, via exportações, torna o País menos vulnerável. "Supevávits comerciais mostram capacidade de o País honrar seus compromissos", diz Bogdanski, do Itaú. "Mesmo com o petróleo em alta e as crises no Oriente, a situação interna é calma graças à balança comercial", lembrou Rogério Mori, da FGV. "Intervir ou não no mercado de câmbio não é um problema só do BC, mas depende de uma política mais ampla que estimule as exportações", concluiu Mori.