Título: Os sindicatos e o saneamento
Autor: José Eduardo de Campos Siqueira
Fonte: Gazeta Mercantil, 05/11/2004, Opinião, p. A3

Trabalhadores do setor defendem investimentos públicos na periferia pobre. Há cerca de duas décadas as entidades representativas de gestores públicos, usuários e trabalhadores se mobilizam para reivindicar a regulamentação do setor de saneamento.

No bojo desse movimento, e por meio de sua Federação Nacional dos Urbanitários, a FNU/CUT, que reúne os sindicatos dos trabalhadores em saneamento e meio ambiente, têm defendido a gestão pública eficiente e a participação efetiva e qualificada dos usuários no controle da qualidade dos serviços prestados.

A experiência global, à qual a FNU tem acesso permanente pelos organismos internacionais aos quais é filiada, aponta o fato incontornável de que as concessões privadas, mesmo sob efetiva regulação exercida pelo Estado, têm sido incapazes de garantir a universalização e a eqüidade do atendimento ou de se submeterem a qualquer planejamento governamental.

Por esse motivo fundamental, é consenso que o saneamento não deve ser tratado no âmbito das chamadas Parcerias Público-Privadas (PPPs). Pelo contrário, acreditamos que devam ser intensificados investimentos públicos no saneamento das periferias pobres dos grandes centros urbanos e no campo, no planejamento e em obras estratégicas que vão garantir o abastecimento futuro das metrópoles brasileiras e na proteção do meio ambiente.

A maioria desses investimentos são o que os "guarda-livros" denominam "fundo perdido", termo inaplicável em setor da relevância social do saneamento.

Apesar de os governos estaduais, em sua maioria, utilizarem a receita das empresas como recurso extra-orçamentário, passível de ser aplicado em qualquer setor, e não obrigatoriamente no saneamento, defendemos também a continuidade do "subsídio cruzado", isto é, da transferência de recursos dos que têm mais para os que têm menos, tanto em nível das tarifas praticadas quanto em nível regional, entre municípios. Desde que seja feito com transparência, com compensação aos municípios "doadores".

Ainda que representando os empregados das empresas estaduais de saneamento, a FNU sempre defendeu a titularidade municipal dos serviços de água e esgoto, mesmo nas regiões metropolitanas e aglomerados urbanos onde os sistemas e as redes são interligadas. Defender a titularidade municipal não implica desmontar as empresas estaduais. As funções de planejamento, regulação e controle dos serviços são indelegáveis pelo titular, podendo sua execução permanecer, onde for adequado ou necessário, com as concessionárias estaduais.

Trata-se de implementar a gestão compartilhada entre as diferentes esferas de governo, sem desmontar ou liquidar o acervo das empresas existentes, o que representaria um custo exorbitante e impagável para a população. Considere-se que a maioria das empresas estaduais deverá ser recuperada, não só quanto à eficiência, mas também quanto à transparência, livrando-se do clientelismo e do viés autoritário inscrito na sua origem ditatorial.

Mais um passo importante foi dado pelo anteprojeto da Política de Saneamento a ser encaminhado pelo Executivo ao Congresso Nacional, provavelmente ainda este ano, quando define o saneamento como "ambiental", abrangendo, além da água e esgoto, os serviços de drenagem e limpeza urbana. Em nome da mesma integralidade, defendemos que se mantenha o ciclo completo do saneamento, pois a sua fragmentação nas diversas etapas que o compõem - produção, distribuição, coleta, transporte, disposição -, além de aumentar os custos, favorece a tendência de transformar a gestão num balcão de pequenos negócios.

Acreditamos que o saneamento é o espaço onde o projeto de resgatar o papel social do Estado poderá se realizar em sua plenitude, garantindo à maioria pobre o acesso universal à água e a serviços essenciais, assim como a excelência ambiental requerida para o desenvolvimento sustentado do País.

kicker: As concessões privadas têm sido incapazes de garantir a universalização do saneamento