Título: Crescimento potencial e crescimento real
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Fonte: Gazeta Mercantil, 09/11/2004, Opinião, p. A-3

Depois de 23 anos de estagnação, a economia brasileira volta a crescer acima de 4% em 2004 e emite sinais de que poderá atingir taxas mais elevadas de 2005 em diante. As expectativas de retomada do crescimento suscitam, como de hábito, reiteradas indagações sobre a ocorrência de condições que assegurem a sua sustentabilidade.

Explica-se a reiteração das indagações. A história recente da evolução do PIB tem sido de frustrações para o setor produtivo, marcada por retomadas oscilantes, de fôlego cada vez mais curto. A última onda expansionista durou apenas 22 meses - de maio de 1999 a março de 2001 -, e foi contida pela combinação simultânea entre os colapsos da Argentina, da bolsa de valores norte-americana e do "apagão" energético. Entre as economias latino-americanas, a brasileira é a que apresentou o pior desempenho da década.

É compreensível, pois, que o setor produtivo, os meios de comunicação e o mundo acadêmico se deixem tomar de extrema preocupação ante as certezas pontificais do Banco Central, expressas nas atas do Comitê de Política Monetária (Copom), de que a economia não suporta uma taxa de crescimento superior a 3,5% sem risco de pressões inflacionárias - o que serve como advertência de que se isso vier a ocorrer o Banco Central investirá contra o crescimento, mediante a elevação da taxa básica de juros. Ou, nas palavras do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, em conversa com jornalistas do jornal "O Estado de São Paulo": "Precisamos urgente de novos investimentos, porque o limite de crescimento do País é de 3,5%. Acima disso, haverá pressões inflacionárias".

A questão dos limites do crescimento polariza o debate econômico atual - e é possível observar, do pouco que se debateu até agora, que parece haver um amplo entendimento no setor produtivo e em vastas áreas da Academia de que o diagnóstico equivocado do Banco Central é de natureza diversionista. Não são as pressões inflacionárias que o preocupam por se constituírem em ameaça à sustentabilidade do crescimento - nas atas, as supostas pressões são utilizadas como pretexto para a elevação da taxa Selic. Diante da vulnerabilidade do balanço de pagamentos, as preocupações com a inflação são relevantes apenas na medida em que o Banco Central está determinado a defender um piso para a taxa de juro real em torno de 10% ao ano, considerada pela instituição como necessária e suficiente para manter o interesse dos detentores de títulos públicos. Eis a questão política de fundo, camuflada nas atas do Copom sob argumentos divinatórios e esotéricos - ou, no melhor dos casos, metodologicamente muito discutíveis - referentes "ad libitum" a uma suposta inflação de demanda, ao aumento dos preços do petróleo, à plena utilização da capacidade produtiva ou a uma razão qualquer.

Ao coro dos discordantes, entre os quais a Confederação Nacional da Indústria, juntaram-se nos últimos dias vozes tecnicamente respeitáveis, como a do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas, e a de um grupo de economistas pesquisadores de instituições como a Cepal, o Iedi, o BID e a UFRJ, para contestar tanto as ardentes pressões inflacionárias quanto a falaciosa incapacidade da economia de crescer acima de 3,5% com estabilidade de preços.

Em sua carta mensal intitulada "Existem pressões inflacionárias?", o Ibre desconfia da alegada aceleração de preços por pressão da demanda e sugere que pode tratar-se de um "ajuste da oferta". Ou seja: confiantes na política macroeconômica do governo, os industriais estariam trabalhando com um nível elevado de capacidade instalada, seguros de poder ajustá-la à oferta, graças ao vasto leque disponível das novas técnicas de gestão, que permitem responder ao estímulo da demanda com agilidade.

Na mesma linha de reflexão, entre o grupo de economistas de fora do governo reunidos na semana passada em Brasília, sob a coordenação do ministro do Planejamento Guido Mântega, pareceu majoritária a convicção de que é amplo o potencial de crescimento, acumulado na seqüência dos ensaios frustrados do passado recente. E, diferentemente do que parece, o País tem formado capital humano a uma velocidade muito superior à de sua capacidade de absorvê-lo na produção.

No mais, como observa o vice-presidente do BID, João Sayad, a propósito da crença ilusória do Banco Central na sua capacidade de determinar a priori a taxa de crescimento "potencial", é com investimento que se contém a inflação. A taxa de crescimento potencial depende dos investimentos. Quanto maior o investimento, maior o crescimento possível sem inflação. Nas suas palavras: "A taxa de crescimento "potencial" é empurrada para cima pela taxa de crescimento real". kicker: Diferentemente do que afirma o Banco Central, a taxa de crescimento potencial é empurrada para cima pela taxa de crescimento real