Título: Riscos da euforia com agronegócio
Autor: Fernando Figueiredo
Fonte: Gazeta Mercantil, 09/11/2004, Opinião, p. A-3

Não há dúvida de que devemos comemorar com euforia os resultados obtidos pelo agronegócio neste ano. Parece mesmo uma heresia falar em riscos neste momento. Porém, não podemos correr o risco de voltarmos a ser um país caracterizado por uma monocultura do desenvolvimento: primeiro o pau-brasil, depois a cana-de-açúcar, mais tarde o café, agora a soja, e assim sucessivamente, em especial no que se refere às exportações.

Temos de aproveitar o bom momento do crescimento agrícola para lançar a base para um desenvolvimento industrial sustentável. É preciso criar um mecanismo ágil e permanente de financiamento a juros competitivos em nível internacional, como, aliás, com muita razão, tem cobrado o ministro Luiz Fernando Furlan. Por outro lado, é necessária uma reforma tributária que efetivamente reduza a tributação, aumente as penalidades daqueles que não pagam impostos e desestimule a informalidade, bem como uma reforma trabalhista que reduza os encargos sociais e estimule a criação de empregos.

É imprescindível, entretanto, ir além de tais reformas. É necessário identificar os setores onde há vocação natural, vantagem competitiva ou grande parque fabril instalado e criar mecanismos sólidos para seu desenvolvimento. O próprio agronegócio é um excelente exemplo de que os investimentos feitos ao longo da cadeia produtiva compensam sobremaneira os esforços despendidos. Desde as antigas Casas do Agricultor até o financiamento à produção e à aquisição de equipamentos, o agronegócio traçou um caminho fadado ao sucesso. Outras cadeias produtivas para as quais temos vocação natural deveriam ter a mesma sorte. Por exemplo, couros. Temos um dos maiores rebanhos bovinos do mundo, senão o maior. É necessário adotar um plano de treinamento para que o boi seja bem cuidado e o couro mais bem aproveitado, com estímulos à pesquisa e produção de produtos para tratamento, design para a confecção de artigos como calçados, roupas, cintos, estofados domésticos e automobilísticos. Por que exportar couro se podemos exportar sapatos, bolsas, bancos para carros, etc.? O exemplo vale para outros segmentos como têxteis, biodiversidade, entre tantos outros.

O Ministério do Desenvolvimento deveria ter como tarefa prioritária identificar os pontos fortes do Brasil, sem o bairrismo de achar que sabemos fazer tudo melhor. Deveríamos criar institutos de pesquisa ou apoiar os existentes para atuar nas áreas escolhidas, mesmo com dinheiro a fundo perdido.

Afinal, todos sabem que não há garantia de sucesso para o trabalho com pesquisa. Isso fica evidente em alguns segmentos industriais, como o farmacêutico, por exemplo. Temos de liberar a criatividade de nossos pesquisadores, oferecendo recursos técnicos e financeiros e, principalmente, facilitando a obtenção de patentes.

Como não temos o hábito de pesquisa, há resistência quanto à patente por se acreditar ser um mero privilégio ao inventor, quando na verdade é uma justa remuneração pelo seu trabalho.

Por outro lado, aproximar o conhecimento científico de universidades e institutos de pesquisa dos empresários é uma vantagem competitiva que todos os países industrializados utilizam com muita eficiência.

Nesse capítulo, é imprescindível estabelecer verbas para que as instituições brasileiras possam comprar pesquisas em andamento em outros institutos no mundo, permitindo, assim, saltos de qualidade e rapidez no sucesso das iniciativas e aplicação adequada do dinheiro público. Todas as grandes empresas do mundo adotam esse recurso como forma de evitar desperdício de tempo e dinheiro na descoberta de algo que já está disponível a um preço acessível em outro lugar. Além desse sério e direcionado investimento em pesquisa, é também necessário investir em educação mediante a criação de cursos que possam preparar os jovens nas universidades ou nas escolas técnicas.

Outro capítulo que deve ser atacado com muita seriedade é a atual burocracia para criação de empresas. Reclamamos da informalidade, mas coitado do brasileiro que deseja abrir uma empresa, como muito bem já registrou em artigo na imprensa o ex-ministro Pedro Malan. A solução é muito fácil. A empresa poderia funcionar imediatamente após obter a inscrição no registro de comércio e no cadastro de contribuintes, formalidades que deveriam ser preenchidas pelas autoridades no prazo de uma semana. Depois, a empresa teria três anos para obter todas as licenças necessárias, mas já estaria em funcionamento gerando empregos e pagando tributos.

Por outro lado, desenvolvimento não se faz sem investimento em infra-estrutura, seja em portos e estradas, seja em energia e telecomunicação. Por isso, embora seja difícil para o PT, é imprescindível o governo estimular as privatizações, pois os recursos públicos não devem ser desperdiçados naquelas atividades que podem ser com mais eficiência e competência administradas pela iniciativa privada.

kicker: Não podemos voltar a ser país caracterizado por uma monocultura, agora da soja