Título: Reserva só paga dívida de curto prazo
Autor: Otto Filgueiras
Fonte: Gazeta Mercantil, 09/11/2004, Nacional, p. A-5

Posição atual é de US$ 23 bi mas a previsão é de que caiam a US$ 21 bi ao final do ano. As reservas líquidas brasileiras vão fechar 2004 com um total de US$ 21 bilhões, que corresponde a dívida que o Brasil tem de pagar no curto prazo, segundo projeções do economista José Roberto Mendonça de Barros, diretor da MB Consultores. No caso de "uma dor de barriga no mercado internacional, US$ 21 bilhões é muito pouco e continuamos com uma certa vulnerabilidade", disse o economista que participou ontem do Business Round Up 2005, promovido pela Câmara Americana de Comércio (Amcham). Para ele, os problemas que podem afetar o desempenho econômico do Brasil no ano que vem são de natureza externa, oriundos da economia mundial.

De acordo com José Roberto Mendonça de Barros,"vamos levar para 2005 três problemas não resolvidos em 2004 e o primeiro deles é o desequilíbrio no mercado do petróleo, por conta da elevação dos preços que romperam a barreiras dos US$ 50 o barril e bem acima da faixa de US$ 35, que era visto no início deste ano como eventualmente o máximo que poderia chegar". Para o economista, o preço do petróleo nesse patamar coloca uma tendência de estagflação, porque "simultaneamente puxa custos para cima e pode colocar uma pressão inflacionária, que não apareceu até agora, mas na China, por exemplo, isso já existe". E ao mesmo tempo, diz o economista, provoca uma pressão deflacionária "por comer a renda do consumidor, por comer o disponível das empresas e com isso o consumo é afetado, além dos efeitos macroeconômicos que provoca no balanço de pagamentos".

Segundo Mendonça de Barros, o segundo problema importante que vai para o ano que vem é o desaquecimento da economia chinesa. "Todos estão de acordo que a velocidade muito acentuada do crescimento chinês está produzindo na economia daquele país uma situação de excesso de aquecimento, há uma pressão inflacionária, que não é uma tradição chinesa, o custo de vida está subindo mais de 20% ano, o custo de alimentação está subindo mais de 10% ao ano e o custo de energia está subindo mais de 20% ao ano". Por isso, disse o economista, "o governo chinês está fazendo um desaquecimento lento, seguro e que não provoque morte súbita da economia, na qual milhões de chineses chegam ao mercado de trabalho urbano todos os anos". A China aumentou pela primeira vez os juros, depois de cinco anos na tentativa de controladamente desaquecer a atividade econômica. Mas, por enquanto, diz o economista, "trata-se apenas de uma intenção do que de uma realidade de fatos".

José Roberto Mendonça de Barros disse que o terceiro problema vêm agora da economia norte-americana. "Passada a eleição presidencial nos Estados Unidos, e a reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI), os dados de 2004 já apontam para um déficit fiscal americano próximo de US$ 500 bilhões e o déficit de conta corrente já está acima de US$ 600 bilhões". Segundo o economista isso produz um outro problema, porque esse déficit externo americano significa a redução da poupança dos Estados Unidos e "o déficit está sendo financiado essencialmente pela compra de papel do Tesouro norte-americano, especialmente por parte dos bancos centrais dos países asiáticos, cujas reservas hoje já passam hoje de US$ 2 trilhões".

O economista diz que essa "é a bicicleta da movimentação financeira que tem movido o mundo nesse período, os americanos consomem muito, inclusive produtos importados, com isso seu déficit em conta corrente aumenta e os investimentos internos nos Estados Unidos estão caindo". Mas diz ele, é financiado pelo resto do mundo, que compra o papel americano a juros baratos, porque especialmente os asiáticos querem manter suas moedas desvalorizadas pois julgam que é melhor perder no portfólio do Banco Central ou deixar de ganhar, mas ganha crescendo com a economia exportadora".

Segundo Barros, "esse equilíbrio em algum momento do futuro vai se desfazer e a grande pergunta é se é possível simultaneamente o financiamento do mundo ser feito sem que isso provoque um crise forte no mercado".

No entanto, a alta dos preços do petróleo, o desaquecimento da economia na China, e o déficit fiscal e em conta corrente dos Estados Unidos, não vão produzir de imediato uma redução de crescimento no mundo.

Segundo ele, "a economia mundial em 2005 crescerá de 3,5% a 4%, portanto menos do que os 4,5% a 5% que vai crescer em 2004". Segundo ele, "o crescimento será menor, vai continuar a desvalorização do dólar em relação a outras moedas, incluindo a brasileira, o euro, dólar canadense e a libra".

O economista diz que "a Europa vai absorver uma parte desse desequilíbrio, mas o problema não se resolverá porque o desequilíbrio maior é criado pelos Estados Unidos". Mas, segundo Mendonça de Barros, "temos que ficar atentos, porque quando os mercados financeiros começam a absorver essa possibilidade de uma eventual desvalorização mais forte do dólar, normalmente ficam mais ariscos e colocam mais riscos".

Segundo ele, a economia brasileira vai continuar aprofundando e avançando naquilo que tem hoje de melhor, que é o seu lado externo, tanto do ponto de vista do ajuste financeiro, quanto do lado real da atividade econômica. "Nossas projeções para o ano que vem são de um saldo comercial da ordem de U$ 25 bilhões, um pouco menor do que os U$ 32,3 bilhões em 2004, mas ainda teremos exportações póximas de U$ 100 bilhões. E do lado real está mostrando uma coisa muito forte, que é a opção das empresas de ir para o mercado externo e essa é uma mudança estrutural muito profunda. Não tenho dúvida nenhuma de que a melhora do mercado doméstico que está acontecendo não vai implicar desta vez no recuo das empresas nacionais em relação as exportações porque se percebeu, particularmente na indústria, de que exportar é indispensável para estabilizar o tamanho do seu mercado".

Mendonça de Barros lembra que nas crise do passado, "o mercado interno se contraiu em vários momento e as empresas descobriram que a exportação é fundamental para equilibrar sua atividade, e na medida que vai avançando nas exportações também reduz seu custo do capital, pois se produz em dólar, pode também operar a parte financeira em dólar sem grandes problemas".

Segundo ele, a outra vantagem é que a exportação é o único jeito de pagar menos impostos dentro da lei. "Os impostos não param de aumentar, e as empresas acabaram descobrindo que se exportarem 30%, 35% do faturamento conseguem baixar muito fortemente a taxa efetiva de tributação, porque vão aproveitar créditos fiscais".

Mas como nada é perfeito, diz Mendonça de Barros, o que preocupa é que "as reservas externas vão crescer muito pouco e nós estamos projetando que fique em torno de US$ 21 bilhões este ano e em US$ 24 bilhões, em 2005". Segundo ele, isso não é problema se o mundo estiver girando em condições normais, "mas no caso de uma dor de barriga no mercado internacional, US$ 21 bilhões é muito pouco continuamos com uma certa vulnerabilidade, basta lembrar que a dívida de curto prazo brasileira, inferior a um ano, é exatamente US$ 21 bilhões".