Título: Uma visita de significado muito especial
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Fonte: Gazeta Mercantil, 11/11/2004, Opinião, p. A-3

De ambos os lados, é grande a expectativa de que da visita do presidente chinês, Hu Jintao, ao Brasil resulte um estreitamento dos laços comerciais e diplomáticos, de efeitos imediatos. Na passagem de Hu Jintao, acompanhado de uma delegação de 400 pessoas, em retribuição à visita feita à China pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no início do ano, deverão ser assinados onze acordos que, na avaliação do governo brasileiro, vão contribuir para o incremento das exportações nacionais, atração de investimentos e turistas chineses.

Pode dizer-se que, embora esteja interessado em comércio - ou seja, assegurar por parte do Brasil compromisso de provisão de commodities, dispondo-se para tanto a compartilhar investimentos no País em infra-estrutura e transportes - , o que de melhor o governo chinês espera obter do governo brasileiro, como resultado da visita, é o reconhecimento da China como plena economia de mercado perante a Organização Mundial de Comércio (OMC). Recorde-se que, ao ser admitida na OMC em dezembro de 2001, a China aceitou ser considerada como economia que não é de mercado por um período de quinze anos, período no qual poderá obter o reconhecimento individual de tal status por parte de países que assim o desejarem, dispondo-se estes nesse caso a limitar o uso de medidas antidumping contra importações chinesas. Um tal reconhecimento daria impulso ao empenho da China de ser tratada no comércio internacional pelas mesmas regras aplicadas a seus parceiros. Pequim já obteve do Chile confirmação de seu pleito, que espera obter também da Argentina, em troca de suposto aceno de investimentos de US$ 20 bilhões no país platino, circunstância que deixa pouca margem de manobra para o Brasil. Mas o reconhecimento por parte do Brasil tem para o governo de Pequim uma dimensão especial, por lhe emprestar um caráter simbólico, como efeito-demonstração para conquistar adesões de outros países em desenvolvimento. Talvez aí esteja o sentido da declaração, dias antes da chegada de Hu Jintao, do porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Zhang Qiyue, de que a "China dá grande importância ao desenvolvimento de suas relações com o Brasil". O Brasil é a prioridade de investimentos da China na América Latina, declarou Yang Yang, diplomata chinês lotado em Buenos Aires. De fato, o Brasil é o maior parceiro comercial e um dos principais destinos dos investimentos chineses na região.

Em troca, o Brasil exige da China um mais amplo acesso aos seus mercados de carnes, de soja e de frutas, entre outros, e no plano diplomático o apoio ao candidato brasileiro à direção da OMC, o embaixador Luís Felipe de Seixas Correa, nas eleições de maio de 2005.

Não há dúvida de que a visita impulsionará a cooperação diplomático-comercial entre os dois países - são conhecidos os projetos conjuntos nas áreas de ferrovias, siderurgia e energia elétrica, entre outras. A intensificação de tal cooperação, em escala surpreendente, tem caracterizado as relações bilaterais. É o que pode observar-se na evolução da balança comercial. De 1999 a 2003, as exportações brasileiras para a China cresceram a uma taxa média de 61% ao ano (570% no período), saltando de apenas US$ 676 milhões para US$ 4,5 bilhões. Em 2003, o desempenho foi ainda melhor, com aumento de 78% nas vendas em relação ao ano anterior. As importações, em contrapartida, aumentaram a taxas muito modestas. O bom desempenho das vendas para a China fez com que em 2003 esse país passasse a ser o terceiro maior mercado consumidor das exportações brasileiras, sendo que no caso da soja e do minério de ferro é o primeiro.

A especial deferência com que o presidente Lula recebe seu colega Hu Jintao expressa o reconhecimento de que o desenvolvimento econômico da China tem sido altamente benéfico ao Brasil. A crescente presença da China no comércio internacional tem induzido a mudanças acentuadas em alguns mercados, favorecendo o comércio exterior brasileiro. Além disso, a entrada do país na OMC teve forte influência nas negociações entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. O apoio do país ao G-22, na reunião da OMC em Cancún, no México, que, embora frustrada em seus objetivos imediatos, contribuiu para alterar de modo substancial o processo de negociação entre as partes, levando-as a sentar ao redor de uma mesma mesa.

Agora, o que estimula o apetite de países em busca de capitais, como o Brasil, é a elevada liquidez da economia chinesa - cerca de US$ 400 bilhões aplicados em títulos do Tesouro norte-americano - e a disposição do país em diversificar seu portfólio. kicker: Além de ser o maior parceiro comercial, o Brasil é o principal destino dos investimentos chineses na América Latina