Título: Pecados capitais do empreendedor
Autor: Flávio Serpejante Peppe
Fonte: Gazeta Mercantil, 11/11/2004, Opinião, p. A-3
O empreendedorismo tornou-se a palavra da moda no ambiente empresarial brasileiro. Há, porém, uma contradição explícita e inquietante na vocação empreendedora da população brasileira.
O ímpeto de abrir o próprio negócio contrasta com as dificuldades impostas pela conjuntura econômica movediça, a burocracia complexa e a ausência de uma política específica para o setor, entre outras dificuldades.
Tanto obstáculo justifica o índice de mortalidade que atinge 30% das novas empresas no primeiro ano de vida. Adicione-se a isso a uma série de erros cometidos por esses profissionais. Essas falhas colocam em risco a continuidade do projeto e podem levar muita gente a fechar as portas da recém-formada empresa. Selecionei alguns dos principais pecados dos empreendedores:
1) Falta de visão de longo prazo - A pressa em colocar a idéia em prática faz com que o empreendedor queime uma série de etapas importantes para a solidificação do projeto, que permitiriam uma preparação adequada da empresa e o acompanhamento periódico do resultado obtido em relação ao que foi projetado, principalmente no que se refere à necessidade de recursos em face do potencial de crescimento das operações.
2) Ausência de controles internos - A empresa não dispõe de normas e procedimentos adequados para proteger seus ativos de possíveis fraudes ou de perdas desnecessárias. Os processos, geralmente, não são desenhados de modo que assegure que os saldos gerados pela operação sejam apurados e registrados com exatidão para a elaboração de demonstrações financeiras confiáveis, fato que pode fazer com que a gestão do empreendimento seja realizada com dados imprecisos sobre rentabilidade e, principalmente, volume de custos.
3) Falta de análise das fontes de financiamento - Na pressa de implantar o projeto, o empreendedor não analisa com cautela as fontes de financiamento disponíveis.
Assim, desfaz-se de bens próprios, mas não avalia corretamente as necessidades futuras de recursos. Com isso, poderá precisar reduzir o tamanho da empresa no futuro e acabar por buscar recursos no mercado pagando juros elevados.
4) Desconhecimento de aspectos tributários - Uma assessoria tributária é primordial para pôr um novo empreendimento em operação.
A adoção de estratégias para minimizar o impacto dos impostos pode aumentar a lucratividade do negócio. O planejamento tributário deve ser feito na concepção do projeto, porque o efeito dos impostos pode levar o empreendedor a mudar as características originais de um produto ou serviço ou mesmo a área de atuação de uma empresa em virtude de possíveis benefícios fiscais.
5) Foco na contenção total de custos - O orçamento enxuto não deve comprometer a qualidade dos produtos e serviços que a empresa adquire nem deve levá-la a correr riscos desnecessários.
A terceirização de serviços para cortar gastos com encargos sociais é um exemplo que pode gerar despesas inesperadas no futuro se houver algum risco de reclamação trabalhista. Até para se conter custos é necessário uma assessoria adequada.
6) Falta de adequação da estrutura de controles ao crescimento da empresa - Quando a empresa cresce e não amplia de forma adequada sua estrutura de controles, ela deixa de ter segurança com relação aos números gerados pela operação.
Conforme comentado anteriormente, a estrutura de controles é importante para mitigar perdas e evitar fraudes e precisa estar adequada ao porte da empresa, não podendo gerar custo que comprometa a lucratividade.
7) Demora em profissionalizar o empreendimento - No caso de uma expansão exagerada, se o proprietário continuar achando que pode controlar tudo sozinho, acabará prejudicando os resultados da operação. Com a profissionalização da companhia, ele pode passar a se dedicar apenas à administração geral do negócio e contar com especialistas para obter suporte técnico e informações sobre áreas que não conhece.
8) Falta de atualização de registros contábeis - Os empreendedores encaram a contabilidade como um centro de custos, um departamento que a empresa é obrigada a manter para atender a demandas do governo na apuração de impostos. Na verdade, os números que estão na contabilidade refletem toda a vida da empresa em determinado período: quanto faturou, qual é o custo da operação, a margem efetiva, a despesa financeira, entre outras informações que podem e devem ser bem trabalhadas para melhorar os resultados no futuro.
9) Capacidade de alavancagem financeira superestimada - Toda vez que uma empresa realiza uma operação para captar recursos ou para alavancar financeiramente um empreendimento, ela deve rever seu fluxo de caixa projetado para verificar o impacto que essa operação terá nas despesas, além de estimar qual deve ser o retorno desse investimento.
kicker: O ímpeto de abrir o próprio negócio contrasta com as dificuldades da burocracia